Velhice e aposentadoria

Faz tempo que o autor escreve para o Jornal O Município sobre coisas do passado, da história do lugar e da gente que habita estas terras que rodeiam as encostas das serras do Rochedo e de Bicas e as várzeas da bacia do Kágado.

Mas neste tempo de discussão desta reforma da Previdência, cujo objetivo parece ser o de dificultar a aposentadoria e por via de consequência a velhice e, no fim da história lançar as bases de mais uma tratativa para manter os trabalhadores na ativa por tempo maior, desta vez se escreverá sobre essas coisas do presente.

Assim, o assunto será a pessoal e intransferível condição humana que atende pelo singelo nome de velhice, nela incluída a aposentadoria. Será a relativamente bem aceita velhice declarada pela cédula de identidade e, as pedras colocadas no caminho dos jovens com as mexidas na Previdência propostas pelas trupes que desenvolvem sua arte nestes setores da burocracia. Tudo visto por quem já pagou o pedágio dos setenta anos de vida e o dos mais de cinquenta de luta pelo pão de cada dia.

E a conversa pretende ter a seriedade de um descontraído papo de barbearia e pode ter seu início nos assentos utilizados pelos que esperam o corte ou o tratamento de uma rarefeita cobertura capilar do couro cabeludo.

Ela roda o salão e de repente chega aos ouvidos de um senhor de idade provecta, na forma de maldosa provocação sobre o que ele achava da velhice. E desta forma, instigado e aberto o caminho para a sua falação, o velho não se faz de rogado e explica:

– Para começar devo dizer que sigo o agir de um tio que resolveu o problema da própria velhice instituindo a regra segundo a qual velhas são pessoas que contem mais de trinta anos do que ele. Sigo, também, o poeta Mário Quintana, para quem sempre se deve estar ocupado, colocando em prática uma nova ideia ou inventando alguma coisa, para não ficar disponível para a morte. Fique claro também, para barbeiro e fregueses, que resisto a aceitar a velhice ou, velhose, como prefere uma amiga, na forma corriqueira do simplesmente ajustar-se ao pijama e chinelo para sentar-se numa praça à espera do dia que vai chegar. E resisto a arrumar as malas e ficar à beira do caminho à espera da última viagem.

Digo que mesmo em alguns momentos chegando a indagar aos céus a que se destina o existir, continuo percorrendo com prazer os caminhos traçados pelo destino, como as deficiências de todo e qualquer cidadão da mesma categoria etária.

Eventualmente uso chavões de outros aposentados alegando não ter tempo. O que não significa que concorde com o continuar escravo de patrão até a hora da morte, como pretende a trupe.

Entendo que a “profissão de aposentado” (discordo do clichê de vagabundo) tem funções e horários definidos, itens que confirmam relação de trabalho e emprego. Porque aposentado é escravo das muitas consultas, dos exames médicos e dos remédios delas decorrentes; das filas da farmácia, dos bancos e das casas lotéricas; e, dos tais exercícios necessários à propalada vida saudável, feitos naqueles aparelhos coloridos instalados nas praças públicas, por vezes ali colocados também para angariar votos. Atividades similares às de muitos outros trabalhadores.

Quanto à velhice o leitor há de convir que o melhor é considerá-la, em qualquer hipótese, boa. Afinal a outra opção, a morte, deve ser bem pior. E a velhice pode ser prazerosa se a ela se chegar com saúde, tempo e disposição para enfrentar os trabalhos da aposentadoria.

Agora, quanto à pretendida reforma, o bom seria que não bulissem com a Previdência. Mas a ser verdade que é necessária, como apregoam as propagandas institucionais, que as alterações sejam ao menos palatáveis e permita aos jovens de hoje manterem, nos últimos anos de vida, um bom emprego de aposentado. Que permita aos trabalhadores normais, chegarem próximo ao final da viagem terrestre em condições de aproveitarem as experiências adquiridas pelo caminho, a liberdade trazida pela lei do idoso e as benesses das prerrogativas dos que fizeram por merecer descanso remunerado após longos anos de trabalho. Que a aposentadoria não seja, no futuro, apenas indicativo de pé na cova.