O antagonismo do Estado brasileiro frente à crise de saúde pública

Ao analisarmos criteriosamente o estado em que a prestação de serviços públicos de saúde tem sido feita em nosso país, percebemos o quanto ainda precisamos evoluir para que o tão falado Sistema Único de Saúde possa de fato se tornar um exemplo. Os brasileiros pagam cifras astronômicas de impostos que deveriam lhes garantir a prestação de serviços básicos de qualidade, e ainda necessitam retirar uma generosa parcela da quantia líquida que lhes resta para custear a obtenção particular dos mesmos serviços (transporte, saúde, educação…), já que estes não lhes são revertidos em condições mínimas de utilização. Quando direcionamos nossa mira unicamente para a saúde, tal fato se mostra incrivelmente aumentado e evidente.

Delimitando uma parcela reduzida do território nacional – microrregião da zona da mata mineira -, é possível constatar que o grande fluxo de pacientes em estados delicados desagua na cidade de Juiz de Fora, a qual já não comporta mais toda a demanda pela qual vem sendo submetida diariamente. Dados da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, unidade do Juizado Especial de Juiz de Fora, apontam que nos meses de julho e agosto de 2019, a instituição ingressou, respectivamente, com 44 e 38 processos judiciais de transferências hospitalares. Número que mostra um índice médio aproximado de 2 pedidos emergenciais por dia útil de trabalho.

Tal estatística poderia ser vista com bons olhos pelos entusiastas da carreira jurídica, frente à constatação de que a Defensoria tem cumprido o papel de amparar seus assistidos e lutar para que estes gozem dos direitos que lhes são devidos. No caso em questão: a prestação de serviços de saúde de qualidade e em tempo hábil, a fim de reduzir ou eliminar eventuais sequelas a estes pacientes. Todavia, o mesmo fato que engrandece um dos lados, rebaixa seu oposto ao evidenciar um gigantesco caos no sistema de saúde pública.

Quando um familiar recorre às vias judiciais requerendo uma transferência hospitalar com urgência para seu ente querido, está jogando suas últimas fichas em uma medida drástica de fazer com que o judiciário realize aquilo que o setor público negligenciou. Por outro lado, a ausência evidente de leitos suficientes para o atendimento de todos os enfermos é perfeitamente sentida. O alto índice de descumprimentos de transferências nos últimos dias corrobora tal fato. Não há leitos para todos. Em contato com o maior hospital do município em questão, a informação foi de que a fila de espera é grande; e para que alguém possa furá-la judicialmente, outro alguém teria de morrer ou obter alta hospitalar para que a tão aguardada vaga do primeiro “alguém” pudesse surgir.

É muito triste ficar frente a frente com tantos dados chocantes. Ao traçarmos uma linha de raciocínio unindo todos os pontos do estudo apresentado, percebemos que os fatos estão intimamente ligados, pois a maioria esmagadora dos pedidos de transferência hospitalar refere-se a problemas vasculares, em que os pacientes apresentam riscos de perda de membros e até mesmo de vida.

Considerando que tais pacientes são em grande parte diabéticos, e que nos últimos meses aumentou exponencialmente o número de ações judiciais pleiteando tiras reagentes para medição de glicemia, em virtude destas não estarem mais sendo fornecidas gratuitamente pelo poder público, aliado ao também elevado número de ações do medicamento Xarelto, indicado para auxílio das atividades circulatórias do organismo; é possível perceber que a correlação existente entre ambos os fatos é muito forte. Os mais carentes deixam de se cuidar adequadamente, frente à impossibilidade financeira de arcar com o custeio de algo antes fornecido gratuitamente; e acabam contribuindo para a estatística das filas de espera constantes e crescentes nos hospitais.

Frente a todo o conteúdo exposto anteriormente, verificamos a contraposição existente entre os governos do país em suas diversas esferas. Enquanto o federal luta para que a previdência social possa ser menos custosa para os cofres públicos ao longo dos anos; os estaduais e municipais, ao deixarem de prestar a assistência básica, acabam por contribuir para que o número de benefícios de auxílio-doença provocados por mutilações decorrentes dos citados problemas vasculares, seja em contraponto, crescente.

Sendo assim, concluímos que o Brasil é de fato um país de contrastes. Onde freios e contrapesos realmente existem em nosso sistema administrativo. Porém, não exatamente como deveria ser, conforme sua característica original. Vivemos um constante cabo de guerra. Forças antagônicas lutam diariamente umas contra as outras e no fim, quem sempre paga a conta é o cidadão que luta de sol a sol, muitas vezes sem a menor qualidade de vida possível, e vê que todos os esforços direcionados ao pagamento de impostos obrigatórios destinados às mãos do Estado, não lhe serviram de nada.