Um causo à parte / Memórias / Raízes medicinais

O MUNICÍPIO está recordando os pitorescos contos do livro “Bicas, um causo à parte”, do saudoso Vasco Teixeira, prestigiado ex-colunista do jornal. Um biquense que também fez história nas cidades de São José dos Campos (SP) e Paraisópolis (MG), onde estava radicado. O Tiãozinho da Rua do Brejo era multifacetado: metalúrgico, político, cronista, escritor, artista plástico e mais.

Raízes medicinais

De quando em quando, eu era requisitado para ir até a matinha pegar raízes para fazer chás, unguentos, emplastros e afins. Dona Benedita, que era mãe da comadre da minha mãe, ia subindo a escada de casa e gritava: “Comadre, me empresta seu menino que eu preciso
dele…”

Essa era a senha para eu ir pegar atrás do galinheiro minha machadinha e um facão. Dona Benedita tinha um conhecimento sobre o assunto que parecia uma doutora. Chegava com um saco de estopa e um canivete afiado para confirmar as procedências das raízes

Com o seu inseparável cachimbo, lenço na cabeça e bom papo, me conduzia até o local onde invariavelmente acertava o que queria… Meu trabalho era braçal. Com a ponta do facão, descobria a raiz e com a machadinha cortava somente o necessário. Depois cobria novamente
o local.

Dona Benedita, na sua sabedoria, dizia: “Não pode judiar muito da planta…” Quando
voltávamos com o suficiente para suas demandas, ela me agradecia e me dava uns trocados para comprar picolé…

Infusão biquense!

Um causo à parte / Memórias / Túnel do tempo

Túnel do tempo

Na nossa vontade aventureira, ficávamos remoendo até achar algo interessante para nos manter ocupados durante o dia. A atividade da vez, foi uma dica do Gá; aliás, ele era danado pra ter boas ideias. Segundo o seu planejamento tático, nós iriamos explorar os túneis da fábrica de caulim, que ficava lá atrás do Morro do Cruzeiro, se não me engano, nas terras do Horácio Machado. 

Na preparação de expedição, além de cantil e lanche, carregávamos também outras tralhas; entre elas, as latas de querosene Jacaré, com alças de arame e tocos de velas dentro, que seriam nossas lanternas para iluminar a escuridão dos labirintos internos.

Duca foi convidado e desconversou. Uma equipe de uns dez desocupados, parecendo pesquisadores arqueológicos, seguiu morro acima… Depois de uma subida “daquelas”, viramos o morro e chegamos na entrada principal do túnel, acendemos as “lanternas” e começamos a exploração.

À medida que íamos entrando, a escuridão vinha junto com a adrenalina. Também, o medo começava a saltar aos olhos. Bita tremia mais que vara verde… Zé da Durica queria voltar… Eu ficava sempre perto de alguém…

Atravessamos algumas encruzilhadas, vimos aqueles carrinhos que transportavam o minério e tal. De repente, numa área mais larga e cheia de teias de aranha, apareceu um vulto: era um pano branco se movendo e dando uns grunhidos estranhos.

O clima ficou mais fantasmagórico com os ecos naquele lugar macabro. Foi um Deus nos acuda! Largamos nossas coisa para trás e saímos em disparada… Quando estávamos lá fora descansando, Duca veio em nossa direção morrendo de rir com o pano branco na mão. Xingamos, esbravejamos e tudo mais… Bicas assombrosa.

Um causo à parte / Memórias / Os ecléticos

Os ecléticos

Na minha infância, era difícil e caro brinquedo industrializado. Nós tínhamos que usar a criatividade para nos divertirmos. Na Rua do Brejo, por exemplo, havia várias pessoas que nos ajudavam a fazer carrinho de rolimã, pipas e mais uma porção de brinquedos…

Um dia fui até à casa do Sr. Juca, para ele me ensinar a fazer um pião, na base do canivete. Confesso que fiquei com medo, mas com a ajuda e paciência do instrutor, não só fiz o danado como aprendi a colocar o prego na ponta. Ficou tão bom que o pião até dormia quando rodava…

Era um prazer para os mais velhos passar seus conhecimentos. Sr. Otto vivia ensinando a molecada a arte da carpintaria… Até espingarda o Beto aprendeu a fazer. É claro, tinham os ensinamentos não ortodoxos, mas cada um sabia qual fonte beber. Isso estimulava nossa
criatividade e nos ajudava a passar o tempo.

As meninas também tinham ótimas professoras casuais. Esse relacionamento de vizinhança era fundamental para a nossa formação. Ajudava a despertar um sentimento de companheirismo…

Bicas aconchegante.

Um causo à parte / Memórias / Na Barbearia São Jorge

Na Barbearia São Jorge

Movimento fraco, eu varrendo o salão e os barbeiros na porta fazendo chacrinha. Meu pai, seu Alípio e o Sr. Augusto jogando conversa fora, quando chegou Sr. Israel e relatou o que havia acontecido na noite anterior no seu botequim: “Imaginem vocês, ontem a turma pegou
o Moraes, aquele folgado”.

Pato Rouco e Dulim prepararam um gato como se fosse coelho e deixaram bem no jeito. O “Serrote” já foi chegando e pegou logo a coxa do bichano, achando que era uma lebre. E comentou: “Nossa, que coelho gostoso! Quem preparou?”

O botequim ficava perto da praça dos aposentados e era um ponto de encontro de quem gostava de uma cerveja Portuguesa bem gelada e um tira gosto de primeira. Morais era especialista em “filar” nas mesas dos outros e não pagava nada para ninguém. Quando ele já havia comido quase todo o gato, suspeitou que nenhum colega sequer beliscara aquele delicioso petisco.

Foi quando a turma avisou que ele tinha saboreado um felino doméstico. Moraes esbravejou e disse que tinha asma e, se morresse a culpa seria deles. Saiu pisando duro, quando Pato Rouco gritou: “Tomara que não apareça mais aqui seu unha-de-fome!!!” Meu pai e os outros adoraram a história. Seu Alípio completou: “Vou fazer a barba do Dulim por uma semana de graça…”

Bicas sacana.

Um causo à parte / Memórias / Cerveja estupidamente

Cerveja estupidamente

Era semana de Carnaval. Meu pai me pediu para ir lá no bar e chamar o Sebastião Miúdo, pois estava na hora dele se barbear. O tal bar ficava pertinho da barbearia, na esquina onde, mais tarde, funcionou o Espigão. O bar era nada menos que o Bar do Zé de Brito. Além de servir tremoços, quibe cru e outros tira-gostos, a coqueluche da casa era sem dúvida a cerveja, estupidamente gelada.

O Bar do Zé de Brito era o favorito dos ferroviários. Vivia lotado… mesas na calçada e um burburinho danado. O diferencial era uma geladeira enorme com portas de madeira que gelava quase um caminhão de cervejas (Portuguesa ou Brahma) casco escuro ou claro. As favoritas da clientela.

Chamei o Miúdo que estava saindo, quando Tachão gritou: “Deixa sua parte paga… esse truque seu de sair à francesa não cola mais”. Abelardo, com seu bigodão, olhou para o Ciro Malaquias e carimbou: “Da outra vez quem deu o golpe foi o Garrafinha”. Dequinha, que era outro cascateiro se fingiu de morto… Tudo resolvido, eu e o Miúdo já estávamos saindo, quando a freguesia começou a cantar o refrão de sempre: “Essa Brahma tem mosquito, não bebo aqui vou beber no Zé de Brito”.

Bicas esquentando os tamborins.

Um causo à parte / Memórias / Pulando a cerca

Pulando a cerca

Em frente de minha casa, na Rua do Brejo, do outro lado do córrego, o Sr. Luiz Longo cultivava um pomar com muitas frutas: laranjeiras, bananeiras e outras eiras…

Eu e meu amigo de peraltice, Maninho, atravessamos o córrego e pulamos a cerca. Silenciosamente, começamos a encher o embornal com as laranjas serra d´água…

De repente, um grito!!! “Seus moleques safados”, e logo em seguida um estampido, que parecia um tiro. Saímos em disparada, pulamos o muro do grupo e nos escafedemos. Mais tarde, quando cheguei em casa, fiquei sabendo que o tiro foi dado pelo Braizinho Lamorga (aquele que fazia regadores) e atingiu o braço da minha irmã Lurdinha que estava na janela de casa…

Deu o maior sururu… prenderam o atirador e minha irmã foi parar no hospital, com ferimentos leves. Contei pro meu pai que eu estava no local do crime, pois só viram o Maninho. Levei uma reprimenda daquelas. Ele pediu a minha irmã para retirar a queixa e o Braizinho saiu do xilindró no mesmo dia.

Quanto ao meu amigo Maninho, não sei o que aconteceu com ele. Goty, seu pai, era uma fera. Acho que levou alguns safanões. Foi só um acidente de percurso. Logo tudo voltou ao normal e nós continuamos moleques como sempre…