Prefeita Wanda

Perfis biquenses

Na década de 80 e 90, o saudoso Chicre Farhat escreveu várias crônicas para O MUNICÍPIO sobre personalidades biquenses, ressaltando nelas qualidades de caráter e de personalidade, muitas vezes despercebidos no dia a dia. Verdadeiras pérolas que, em novembro de 1983, foram reunidas em uma publicação lançada pelo prefeito Gilson Lamha. Posteriormente, Chicre continuou a usar sua brilhante mente para enaltecer outras personalidades. Assim sendo, em homenagem ao autor e aos seus personagens, tudo será republicado.

Ela é uma criatura iluminada, de alto astral, identificada com as graças do céu. Muito católica, tem mesmo jeito de quem está em permanente oração. Aliás, seu marido, meu velho camarada de toda vida, certa vez comentou:

– Fomos felizes no casamento, ainda bem. É desgraça não ter paz em casa. Sou indisciplinado. Tive mais sorte do que você. Minha mulher é santa, já canonizada.

Eles se conheceram nem nosso casarão, onde hoje está o Centro Cívico Dª Assima Farhat. Natural de Santa Helena, sempre que vinha a Bicas visitava a amiga Laila, minha irmã caçula. Num desses encontros, a Laila avisou o “pretendente”, que “suspirava” interessado pela jovem fazendeira.

Cedo casaram-se em primeiro e definitivo amor. Tiveram quatro filhos: Jussara, Juliana, Áurea e Gilson, todos formados, compondo ao estilo mineiro uma família carinhosa e unida, que estimei ao longo da existência. Ah! Quantas coisas teria para contar nesta funda e escura saudade do meu outono.

Quando me enfartei, ela já viúva, telefonou-me confortando-me, dizendo que meu amigo enfrentara o mesmo problema e se saíra bem, apesar de rebelde às prescrições médicas. Insistiu em oferecer-me um almoço, assim que viesse a Bicas para festejarmos a minha recuperação. Almoço que aconteceu com a fidalguia costumeira.

Sua casa vivia cheia. A hospitalidade, o saudável humor do casal, a generosidade em tudo que fazia era um convite permanente. Estimado e habilidoso, não foi difícil ao companheiro ingressar na vida pública, ser vereador e depois prefeito por duas vezes, assumindo incontestável liderança.

Discreta, sem afetação, exemplarmente ajudou os excluídos, no bom combate, participando até das festas carnavalescas. Na última campanha eleitoral, já no final, o marido teve a candidatura à chefia do município impugnada. E às pressas, num lance audacioso, ela aceitou o derradeiro sacrifício, ambição que jamais sonhara.           

Em instantes de fortes desafios, quando o ser humano é capaz de torpes vilanias, tornou-se a primeira prefeita da história de Bicas! Diferentes ilações acompanharam aqueles momentos de bravura. Mas uma prevaleceu como verdade solar, acima de qualquer fanatismo ou da vesga ótica.

WANDA CORRÊA LAMHA era unanimidade de virtudes. Trazia o coração limpo de mágoas, a doce presença de equilíbrio, ungida da fé religiosa, dessas capazes de remover montanhas bíblicas. Predestinada cidade que ainda encontra esses veios de preciosas reservas morais, e no calor da batalha e das tempestades, sabe escolher o caminho da paz e o seguro abrigo.

Oposição e governo, apaixonadas facções, em momento de lucidez, que honrou a todos, abriu a passagem a concórdia e homenageou a frágil conterrânea, que só exibia a força de sua dignidade, sem o envolvimento do frio ódio.

No gesto de sabedoria, Bicas cresceu, e proclamou com orgulho e independência a maioridade política.

(Crônica do saudoso Chicre Farhat, publicada no jornal O MUNICÍPIO, em 31 de março de 2000)