Emil setentão

O que um irmão pode dizer do outro com a necessária isenção. Que depoimento posso dar sobre o Emil, quando ele completa setenta anos.

Claro, há natural emoção que brota fundo, que vem do mais íntimo. É a força inelutável do sangue, dos inúmeros sentimentos em comum, de um convívio fraterno.

Mas trago dois fatos para julgamento (um pessoal, outro de interesse público), e creio assim prestar minha homenagem com maior rigor ético e sem maiores derramamentos.

Em setembro de 1940 perdíamos nosso pai. Tinha, então, 13 anos, e estudava interno no Instituto Granbery, em Juiz de Fora.

Naquele desespero, a primeira reação em casa, foi de que eu devia sair do colégio, muito caro, para trabalhar no Bar Memphis, que possuíamos, e ajudar minha mãe e sete irmãs.

A palavra de Emil, na época, encerrou o assunto:

– Não, o Chicre vai continuar os estudos. Tentarei fazer opor ele o que o papai fez por mim.

Nas férias, em dezembro, fui com ele ao o Rio.

Uma noite, voltava do cinema e o encontrei debruçado sobre um livro enorme.

Ele esclareceu:

– É um livro em francês. Estou traduzindo. O dinheiro desse trabalho vai assegurar o seu 2º ano no Granbery.

Vocês podem imaginar o que senti. O Emil vivia apertado. Seu ordenado mal dava para ajudar em casa, e o apartamento onde morava, ele o dividia com cinco outros amigos. Todo aquele duro esforço era só para pagar os meus estudos…

E assim foi durante os seis anos que permaneci no Granbery.

Ao longo de sua vida, a generosidade tem sido uma constante. Por isto embora seja
um lutador infatigável e tendo alcançado inúmeras vitórias em tudo que se envolveu: na literatura, na publicidade e no jornalismo, não se enriqueceu.

Quando fui para o Rio, cursar a Faculdade de Direito, o caminho estava aberto. O Emil
já era um dos chefões da Mac Erickson, a maior agência de propaganda do país e a terceira do mundo. Viajara por todo o Brasil, pelas três Américas, pela velha Europa, o Oriente. O menino pobre do Maripá vencera, tornara-se um cidadão do mundo.

Dominando também o inglês, tendo traduzido deste idioma toda a obra de Gibran Kalil Gibran, ele ampliou seu horizonte cultural, e trouxe a público, entre outros, dois grandes livros hoje considerados clássicos: “O país dos coitadinhos” e “Educação, a nova ideologia”, ambos com várias edições e esgotados.

E lhes conto o segundo fato:

Após um almoço e longa conversa, o ex-prefeito Amílcar Rebouças queixou-se, em dado momento, da velha prefeitura, caindo aos pedaços, muito pequena, não mais comportando os serviços municipais. O Emil prontamente retrucou-lhe:

– Não seja por isto. Sou dono da metade do terreno lá da Praça Raul Soares. Está a sua disposição.

O Amílcar emocionou-se. Aquele gesto a todos nos comoveu e imediatamente o acompanhamos na doação. E surgiu o Centro Cívico D. Ássima Farhat.

Aí está o ex-prefeito para confirmar a história.

Sem dúvida, viver setenta anos assim meu caro irmão, é uma benção de Deus.

(Crônica do saudoso Chicre Farhat, em homenagem ao, também, saudoso Emil Farhat, publicada no jornal O MUNICÍPIO, em 09 de setembro de 1984)