A primeira vez a gente nunca esquece

Entrei num avião pela primeira vez quando fui de BH (aeroporto da Pampulha) pra Montes Claros. Era um boeing da Varig e eu, marinheiro iniciante, trabalhava no CETEC (Fundação Centro Tecnológico de MG), como engenheiro do extinto BNH (Banco Nacional de Habitação), fiscalizando obras de saneamento no Norte de Minas.

A sensação de estar flutuando acima das nuvens e depois ao aterrissar não dá pra descrever. O coração acelera e a adrenalina toma conta! Era 1981 e, de repente, com pouco tempo de formado eu estaria além do voo conhecendo cidades maravilhosas de Minas situadas numa região oposta a minha, a Zona da Mata. Cidades como Mirabela (terra da carne de sol), São Francisco (na beira do Rio), Brasília de Minas, Januária (atravessando de balsa), Itacarambi, Manga (balsa novamente), Espinosa (no cocuruto do estado divisa com a Bahia), Monte Azul, Porteirinha e Janaúba…tudo estrada de chão… cada retão de perder de vista!!!

Lá, naquelas bandas, é tudo plano, é plantação de algodão e pastos bem cuidados abarrotados de gado nelore branquinho. Muitas carvoeiras também e a comida sensacional. Fiz esse trajeto por 13 vezes e sempre dormia em Montes Claros na primeira e na última noite. Logicamente o almoço era na Cantina do Nelson, que servia uma moqueca de surubim com camarões generosos e uma salada magnifica. Claro, regada a Antártica de Pirapora e, como ninguém é de ferro, uma ou duas talagadas de Havana ou Lua Cheia de Salinas.

A segunda parada era em Januária… Beirada do Rio São Francisco e hotel no centro histórico com casario igual ao de Ouro Preto. No calçadão, ao lado rio, arborizado, ficava o meu restaurante predileto e o hotel. A pedida era sempre a mesma: surubim grelhado na brasa e Antártica de Pirapora…O garçom, nas últimas visitas, já me conhecia e trazia logo uma estupidamente gelada. O clima naquelas bandas pede 35º na sombra, e a primeira garrafa descia em segundos.

Meu serviço era conferir as medições das empreiteiras que executavam captações de água, estações de tratamento, reservatórios, elevatórias e redes de distribuição. Em algumas cidades também tinham obras de de esgotamento sanitário e de drenagem (águas pluviais). Nesse ínterim aprendi coisas que a escola de engenharia nem mencionava, além de conviver com verdadeiros papas da hidráulica e do saneamento básico do estado de Minas. Dia seguinte, Manga e Matias Cardoso (nessa localidade uma igreja majestosa em ruína lindíssima ainda resistia ao descaso), em pleno Vale do Jaíba, área irrigada e de altíssimo potencial do agronegócio.

Dali se pegava uma estrada sem fim pra Espinosa, com retas a sumir de vista, chão batido e pé no acelerador do fusca da empresa de apoio do BNH. Dava pra rodar a 100km/h sem medo, só retonas, estrada larga e sem buracos. De um lado, terras indígenas; do outro, barrigudas e nelores. Numa dessas vezes cheguei a quase atolar no pó da estrada…

Espinosa, na divisa com a Bahia, era outra cidade a visitar e pra dormir. Geralmente eu jantava um bifão de nelore com fritas e depois apagava no hotel mesmo pensando no barbeiro, mosquito (Trypanosoma Cruzi) transmissor da Doença de Chagas. Nesse tempo, todos os dias um avião jogava veneno BHC… veneno pra matar o mosquito (hoje esse veneno é proibido pois matava o mosquito e poluía as lavouras), e o cheiro ficava no ar por várias horas…

Dia seguinte: Monte Azul com seu monte azul lindo ao fundo, Porteirinha e Janaúba. Em Janúba, a última dormida. Todo mundo de bicicleta pois a cidade é tão plana que o reservatório é um elevado que a gente vê de qualquer ponto do mapa. A comida ótima ou surubim ou nelore na chapa com farofa de dendê…show!

De novo em Montes Claros, tempo livre, o jeito era ir no mercado municipal. Produtos regionais de cair o queixo: pimenta malagueta, pinga de Salinas e carne de sol de Mirabela (cortes de nelore)… Foi numa dessas que quase me dei mal. Comprei tudo que tinha direito, enrolei a garrafa de pimenta malagueta na roupa suja e despachei no aeroporto.

Chegando a BH, fui pra esteira, quando vejo um grupo de passageiros reclamando o cheiro de pimenta e malas sujas pra todo lado… Um absurdo! Chamem o responsável da Varig! Minha mala tá toda lambuzada…!

Sorrateiramente, peguei minha bolsa, dei uma de esperto, saí reclamando, peguei o primeiro táxi e sumi dali.

Moral da história: Pimenta nos olhos dos outros é colírio!