Uma vida de papel

Frágil a ponto de rasgar. Importante como elemento essencial. Nascemos num mundo burocrático e vivemos em função de suas exigências. Desde o primeiro abrir de olhos, nos encontramos imersos num sistema que nos aprisiona e condiciona a fazermos suas vontades. A existência deixou de ser apenas um estado físico e passou a ser fundamentalmente um estado legal.

“Parabéns! Você acaba de dar à luz a um menino!” O próximo passo agora é correr para registrá-lo, pois apesar de estar o segurando no colo, sem uma certidão de nascimento ele não existe. O tempo passa e a jovem criança vai para a escola. No fim, tudo o que refletirá seu desempenho estudantil se resume a um histórico escolar.

CPF, RG, carteira de trabalho, passaporte… somos guiados o tempo todo através do papel. É ele que move nossas vidas por mais que tentemos dizer o contrário. Trabalhamos para conseguir um pedaço de papel com números timbrados, os quais toda a humanidade acredita possuir algum valor. Com ele, pagamos outros papéis de contas do mês, compramos bens que necessitam de mais papéis para que sejam efetuados os registros… Enfim, um ciclo vicioso que não pára de girar.

Os elementos essenciais da vida perderam espaço frente às enormes exigências do mundo moderno. Conhecimento já não basta para medir competência. Antes de tudo, você é medido pela quantidade de papéis que atestam se você fez por onde consegui-los ou não. É frustrante ingressar num curso superior e perceber todas as verdades citadas acima. Mais frustrante ainda é descobrir tudo isso em decorrência de uma profunda decepção com o ensino recebido. Professores tendenciosos e descompromissados aplicando didáticas inferiores às adotadas no ensino fundamental. Saímos diplomados, porém, não qualificados. Isso se mostra evidente em pesquisas que apontam como o mercado de trabalho está carente de mão de obra competente, e no número de multinacionais que desistem de vir para o Brasil em virtude do pouco conhecimento das pessoas em idade produtiva.

Uma vida de papel é o título perfeito para descrever este breve relato sobre a vida. O que importa é o que está escrito! Doutores, pós-doutores, títulos para dar e vender. A velha máxima “você é aquilo que você faz” já deixou de existir. Hoje talvez seja mais adequado dizer: você é o que escrevem de você.

Trocamos nossa vida por uma prisão a céu aberto. Deixamos de nos importar com o que é vital e passamos a perseguir o dinheiro, o status. Queremos mais para comprar mais e continuar precisando de mais para pagar o que já não conseguimos com o dinheiro que temos. A vida perdeu o sentido. E só percebemos isso quando nos encontramos do lado contrário ao das pessoas do mundo real. Neste lado contrário, nos sentimos isolados numa espécie de bolha, como se estivéssemos vendo tudo através de um espelho sem que fossemos notados. Os carros correndo, as pessoas agitadas, um vai e vem constante de pequenos mundos dentro de um mundo só. Nestes momentos, descobrimos que não temos saída. Ou ao menos, que ela não está aparente. Percebemos que tudo se resume a um enorme quebra-cabeças ilusório e que nós não passamos de mais uma peça enganada.

De volta à realidade, notamos o quão cruel e severa ela se mostra ser. Depois de anos o perseguindo, o papel retorna em constantes visitas ao longo de nossa vida. Na última e derradeira, não podemos sequer falar por nós, pois até mesmo para dizer ao resto do mundo que já não fazemos mais parte dele, necessitamos de um papel que ateste nossa partida. Caso contrário, viveremos para sempre.