Naquele tempo

O tempo vai passando e nossa memória começa a falhar pra fatos recentes e lembranças do passado voltam com mais nitidez.

Eu sou do tempo do Cine São José. Naqueles tempos aos domingos tinha matinê, sessão das 18h30 e sessão das 21h.

Primeiro a missa obrigatória semanal pra poder ir na sessão das 18h30…

A concentração da galera, da rapaziada, era em frente ao Bicas Bar, ao Cinema e no Tabuleiro da Baiana. O fluxo de carros era pequeno, a estrada pra São João Nepomuceno era de chão… O trem ainda estava a todo vapor e as oficinas também.

Tinha a Fábrica de Calçados Almirante, da família Curzio, com muitos funcionários, que chegavam as 7 horas, com os apitos da Leopoldina e as sirenes da fábrica. Na hora do almoço, o movimento era intenso em frente a minha casa, na Sapataria Zélia.

Meu pai recebia os pedidos, os sapatos, via trens… meu tio Felício Rebouças era o chefe da estação.

Naqueles tempos, a Praça São José estava sendo remodelada com espelho d’água e seu entorno era de terra batida…

Passados alguns anos e lá estava eu, na puberdade, aprendendo coisas na rua, depois da missa esperando a sessão das 18h30. As “meninas” vestiam suas melhores roupas, sempre acompanhadas de irmãs mais velhas e os namoros eram escondidos dos pais, pelo menos enquanto não começava a sessão.

O esquema era o seguinte: as minas entravam primeiro, lá nas filas do gargarejo, e sentavam juntas. Assim que apagavam as luzes elas mudavam a configuração, saltando uma cadeira pro’s meninos sentarem. Era ensaiado e todo mundo já sabia o que fazer. Não havia tempo a perder.

Naquele tempo, a coisa era demorada. Pra “pegar na mão da mina” durava quase um filme inteiro; porém, quem conseguia sabia que o beijo estava próximo ou seria no próximo domingo…

A turma da sessão das 21h já ia bem mais adiantada, já adentrava no Cine São José de mãos dadas e o amasso era inevitável, só terminando no portão da casa da namorada.

Quem conseguia chegar na varanda estava com os dias contados e coisas mais íntimas rolava com “consentimento” dos pais.

Esse “esquema” perdurou por muitos anos, até que a televisão foi revirando os conceitos e preconceitos… a mulheres foram se emancipando e os cinemas definhando.

Naqueles tempos, o caboclo que “pegava na mão” na primeira sessão era celebrado durante a semana como um dom Juan e virava celebridade até que outro provava que já tava beijando… na boca!!!

Nos dias de hoje a coisa mudou muito. No primeiro encontro o sexo rola normal e sem compromisso. Namoro na varanda passou pro quarto e cinema é no sofá da casa da sogra e a sessão é das 24h em diante…

Bons tempos!