Eu, Drummond e Dorian Gray

Colaborei no antigo JB, na época do Marcos Sá Correia, e do meu saudoso amigo, o “alemão” Fritz Utzèri… As reticências falam pelo tempo que passou.

Tive a honra de participar, ao lado do Poeta Maior, em várias ocasiões, da famosa página de Opinião, onde me regalava com o que lia.

O tempo passou… Drummond fez oitenta anos… E eu escrevi um artigo, no mesmo JB, em sua homenagem.

Retribuiu-me com belo cartão de agradecimento, escrito com pena molhada em tinta, pois nunca tivera interesse por caneta-tinteiro, muito menos aprendera a bater na máquina de escrever.

Telefonei-lhe agradecendo o belo cartão, e ele, com a voz já meio fraca, também saudou-me.

Perguntei-lhe pela saúde, e ele, meio debilitado, respondeu-me: “Vou mal! Com a pior das doenças…”

Preocupado, pensei em câncer, e perguntei-lhe o nome da doença…

Sem mostrar qualquer dúvida, respondeu-me, sincero: Velhice…Velhice…

Despedimo-nos, e, na mesma hora, veio-me à mente a famosa obra de Oscar Wilde, “O Retrato de Dorian Gray”, onde o personagem, rico, jovem e amante da vida e de seus prazeres variados, temendo perdê-los com a velhice, fez um pacto com o demônio, entregando-lhe a alma em troca da eternidade de sua juventude…

O demônio topou a troca, ficou com a alma…

Os anos foram passando… Os amigos e amantes envelhecendo e morrendo… E Dorian sempre jovem, rico e conquistador.

Mas, tudo tem um “mas”… Dorian foi se arrependendo da juventude eterna, saudoso dos amigos que tinham ido… E procurou o demônio, tentando desfazer o trato!

Maldoso, como sempre, o demônio recusou, pois preferiu ficar com a alma do orgulhoso e vaidoso Dorian.

Indignado, foi ao sótão de sua casa, onde guardava uma pintura sua, ainda jovem, para a qual era transferida, em formato físico e moral, todo o tempo de safadezas, maldades e egoísmos, que passaram, e ele se assustava com sua horrorosa aparência moral e existencial mostrada no retrato.

Exaltado, sem controle, arranca de uma faca e começa a esfaquear a própria alma, no próprio retrato.

À medida que o fazia, seu retrato recuperava a própria mocidade de sempre, enquanto seu corpo se desfazia em horrorosa velhice, virando pó, guardado pelo demônio em sua já destruída alma…