Jair Croce, provedor de esperanças

Jair Croce

– Perdemos nossa mãe muito cedo. E papai desdobrou-se em atenções e carinho para tentar substituí-la. Ele é um grande praça.

Essas palavras comoventes me foram ditas por um dos filhos de Jair Croce. Falou o que todos nós já testemunhávamos.

E fiquei a pensar naquela criatura extremamente simpática, de trato ameno, voz mansa, cuja grandeza de sentimentos o faz destacar em nossa paisagem humana, como uma de suas maiores reservas morais.

Generoso, solidário, JAIR CROCE nunca foi indiferente espectador. Entende que é muito pouco cuidar de sua vida e dos seus (embora o faça, como sabemos, com alta dignidade). Nossa caminhada – diz ele – há que ser fraterna, impregnada de sentimento cristão, procurando servir e ajudar sempre. “Por isto gosto de seu estilo, Chicre, participante e encorajador”, acrescenta.

O que adianta, por exemplo, para a comunidade e o país, o sujeito ser rico, se for um indivíduo de quem a sociedade nada recebe de graça, ESPONTANEAMENTE. Ele paga impostos? Mas isto todos fazem, ricos e pobres, os pobres até com mais sacrifício. Além do mais, este é um dever mínimo do cidadão. Não é favor.

Antigo Provedor do Hospital, vice-prefeito por duas vezes, ativo participante de todos os acontecimentos sociais e filantrópicos, a trajetória de Jair Croce é dessas que somam, que trazem estímulo e exemplificam. (Um banqueiro carioca dizia que emprestava dinheiro pela cara do sujeito. Nada mais. Poucos em Bicas possuem uma personalidade que inspira tanta confiança quanto a de Jair Croce).

O conterrâneo anônimo e sofrido existe para ele. Existe sua terra, o seu destino e progresso. Por tudo ele se interessa.

Não conta para Jair o egoísmo voraz que nada perdoa. Não está em seus cálculos a esperteza doentia que só vê cifrões e cifrões. Nem a politicagem vazia, mesquinha, de cunho pessoal, oportunista e aproveitadora.

É grande seu coração idealista, o porte do homem público, que o fazem credor de nossa velha estima e maior consideração.

(Publicado no jornal O MUNICÍPIO, de 23 outubro de 1983)

 

Vieira e outras saudades

Zé Vieira

Que faz o coração de um homem se interessar pelos garotos de sua terra?

Que fina sensibilidade daquele cidadão, que todos os dias levava um grupo de meninos para treinar futebol sob seu comando. 

Ele sabia o contentamento que seu gesto proporcionava aos jovens “atletas”. E a seus pais, pois afastava os filhos de outros caminhos menos saudáveis.

 Lá pela altura de 1939, Bicas não tinha uma piscina sequer, uma quadra de vôlei, basquete, nada. O futebol era a única atividade esportiva, e JOSÉ VIEIRA, famoso ponta direita do Sport, possuía autoridade e camaradagem para ensinar.

 Todos nós do Ipiranga F.C. o estimávamos e seguíamos seus conselhos sem qualquer discussão. Eram tardes deliciosas, de muito suor e horrorosas furadas… Respeitáveis pernas-de-pau eram pacientemente orientados pelo Vieira, que nunca desanimava.

 Eis alguns “craques” do Ipiranga: Carlos Augusto Resende Lopes, Gilson Lamha, Edamir Abdo, Milton Cúrzio, Renato Ladeira, Luverci, Necesinho, Rubens Machado, José Maria Monteiro e o modesto escriba destas linhas.

 Do Ipiranga nasceu o timaço dos “Estudantes” e vieram outros “donos” da bola, malabaristas do gramado: Ivan e Clovis Vasconcelos, Ralphinho, Iram Leite, Damião Mendes, Lita e o Gote, que a turma dizia ser estudante da Fábrica Curzio…

 Ainda o vejo, quarenta anos passados, sempre disposto a iniciar novo time, sério, compenetrado,acreditando no que faz. Amadorismo puro, idealista. Conterrâneo fraterno, que faço questão de abraçar quando vou a Bicas.

 Ele veio de unida e destacada família de ferroviários. O pai, Possidônio, maquinista da mais bem cuidada e reluzente locomotiva da Leopoldina. Os irmãos Jair e Nilson, este um dos grandes prefeitos de Bicas.

Casado com Flor de Liz, irmã do Motinha, companheiro de infância, e filha do saudoso José Mota (o Motão), velho amigo do meu pai e do tio Karim.

 As alegrias, lembranças e a saudade se entrelaçam, tudo formando o tempero gostoso de nossa Bicas.

 Técnico, catedrático da pelota, ex-presidente do Clube Biquense, ferroviário exemplar, José Vieira, amigo eterno dos jovens conterrâneos. Obrigado!

 Você, Vieira, também sempre foi jovem, porque é limpo seu coração.

Renato Ladeira, Zé Maria Monteiro, Ralphinho, Sebastião Matos, Damião Mendes, Milton Cúrzio, Chicre Farhat, Lita Barreto, Iran Leite, Carlinhos Resende, Haroldo Alves, Clovis Vasconcelos e Necesinho

(Publicado no jornal O MUNICÍPIO, de 07 agosto de 1983)

Augusto Rossi: Construtor de sonhos

Augusto Rossi

Direi que ele é um construtor de sonhos…

Que infinito prazer sentimos ao ingressar na casa que ambicionamos, erguida pela inteligência e habilidade de Augusto Rossi.

Quantas alegrias este homem já trouxe ao coração de tanta gente. Pois não é só a certeza do esforço correto, o compromisso assumido com a honra, mas sobretudo a garantia de que algo se levantou e desafiou o tempo.

Há mais de meio século, Augusto Rossi dá um testemunho de amor ao trabalho. Nenhuma aposentadoria o faz esquecer a sua arte de grande artesão, que vê despontar em cada canto da cidade, diferentes construções, fruto de seu extraordinário talento: igrejas, piscinas, centro cívico, escolas, residências em todos os estilos.

Dificilmente não se encontrará em todas as ruas de Bicas uma obra sua. Ele é hoje, além do mais antigo construtor, figura ímpar, de trato ameno, voz mansa e pausada. Um permanente otimista.

Amigo de meus pais, de tradicional e estimada família, de fundas raízes nos mais diferentes setores, onde tem se destacado, Augusto Rossi é página viva de nossa história.

Projetista, criador de “ordens folclóricas”, biquense da velha cepa, pertence a uma raça em extinção: a dos homens determinados, cuja palavra é brasão de dignidade, sem desvios ou curvaturas humilhantes.

Desses que tem o prazer de servir e ser útil ao bem comum. Desses seres privilegiados, que marcam no tempo uma passagem luminosa de bondade, simplicidade e de desambição.

Augusto Rossi com seu “metro” gasto de tanto uso, e sua corda já puída, soube edificar uma vida de engenheiro e arquiteto, sem nunca ter passado por uma universidade, e que enche de orgulho os conterrâneos.

(Publicado no jornal O MUNICÍPIO, de 09 de outubro de 1983)

Doação de uma vida

Sebastião de Souza Campos

Há cinquenta anos ele dá um testemunho de fé.

Há meio século, um homem frágil, pobre, traz, dentro do peito extraordinária força interior, que abala e espanta.

O primeiro número de “O MUNICÍPIO” foi impresso por ele. Letra por letra, exaustivamente.

De lá para cá, nada e ninguém o afastou daquilo que ele entendeu ser dever cívico (e o é): a contribuição do seu idealismo em favor da terra querida.

Os filhos e netos vieram depois (Dininho, Jeferson, Edson e Sebastião), seguindo aqueles passos generosos, pois nossa imprensa interiorana só sobrevive à custa desse devotamento superior e desprendido.

SEBASTIÃO CAMPOS, comovente exemplo de fidelidade, testemunho vivo de quanto pode o espírito humano, iluminado do desejo de servir.

Ao lado do nosso José Maria Veiga, do saudoso João Cândido, Sebastião Campos prossegue. E sua luta não vem manchada de ambição, de mesquinhos interesses. A trincheira, quase sempre desguarnecida, não lhe traz dividendos, ricas perspectivas, sonhadas opulências. É mister de garimpeiro, um mourejar de predestinado, que sabe seu fim e o rumo de sua áspera trajetória.

Esta cidade um dia precisou de tipógrafo, de um jornalista, que a retratasse e defendesse, marcando sua presença no mapa de Minas.

Aquele tipo franzino, sem empáfia, apresentou-se para dizer aos conterrâneos a verdade de todos os dias. E dar voz aos que não têm vez. E transmitir sempre a mensagem de esperança e otimismo.

Quanto lhe devemos Sebastião Campos. Na sua singular modéstia e simplicidade, há um cidadão que soube honrar o seu tempo. E deu o melhor de si, em valor incalculável.

Pela doação de sua vida, pelo amor ao trabalho, pela lição de humildade, obrigado.

Uma cidade também se constrói com homens de sua têmpera.

(Publicado no jornal O MUNICÍPIO, de 25 de setembro de 1983)

 

Erinho de fé

Ério Silva

Um moço vitorioso na vida, cujo talento e capacidade de trabalho ninguém ouça duvidar, veio a mim tomado de emoção:

– O Clube Biquense vai se levantar. Eu com o apoio de alguns amigos, começaremos a batalhar. E você sabe que gosto da luta.

A série de artigos (16) que escrevi na época sobre o nosso Clube Biquense (conclamando, protestando) encontrou eco no coração dos bons biquenses.

E um se destacou sobremaneira: o nosso Ério Silva. A cidade apoiou e acompanhou seu esforço, que resultou na magnífica sede já proclamada aos quatro ventos. Suas palavras de fé, ditas acima, não foram em vão.

O belo e alto vôo da águia é vitória biquense, deste jovem tabelião, advogado, homem de muitas atividades.

De lá para cá, o Biquense só cresceu e mais luxuoso ficou, com festas maravilhosas.

Ainda agora, o Dr. Ério enfrenta novo desafio: a construção da quadra de vôlei, basquete e futebol de salão.

E vencer desafios é a sua distração. Sabemos que esta nova obra será dentro em pouco tempo, outra bela realização.

Aí está um moço útil à sua terra, à coletividade. Que arregaçou as mangas e procurou retribuir com alguma coisa em favor do bem comum. Que não foi egoísta, que deixou de lado o comodismo, e marcou para as gerações um momento de singular exemplo de idealismo.

A vida não é só ganhar dinheiro atropeladamente, a qualquer preço. Não é passar os outros para trás, velhacamente.

A vida não é bater no peito e fingir que é cristão. A vida só tem sentido, quando se procura caminhar generosamente, respondendo com altruísmo a todos os apelos da solidariedade humana.

Algo assim parecido com a trajetória de um Ério Silva.

Semeador de otimismo

ANTÔNIO LAMHA

Ele povoou de alegria minha infância e mocidade. Beirando os setenta, ainda o vejo entre os foliões, animado, imbatível. Esse prazer incontido vem do seu puro coração de menino, sem mágoas ou ressentimentos.

É um carnavalesco-austero, se me permitem a expressão. (Nunca botou um cigarro na boca e sempre evitou a bebida).

Em tempos idos, fundou com o Emil “O Lince”, jornal de humor e crítica, de grande sucesso, entre nós.

ANTÔNIO LAMHA já foi de tudo: vereador combativo, comediante, Rei Momo, viajante, seresteiro, comerciante e Juiz de Paz.

Amante do bate-papo espichado, cheio de lembranças e de graça. Guarda fatos curiosos, escondidos na memória privilegiada, e é capaz de trazer para você o mais estranho convite de casamento, seu retrato de chupeta na boca, ou um velho artigo de jornal, com raras preciosidades.

Certa feita, abriu uma casa de calçados, e ele mesmo escreveu seu nome. Trepou na escada e no alto da parede inovou: “Pare! É aqui a Casa do Compadre”.

Nenhuma companhia teatral, artista algum que viesse a Bicas, subiria ao palco antes de Antônio Lamha, o “Tanus Antun”, de sua deliciosa transfiguração.

Com o talento de seu espírito e inteligência, ele ficava incumbido de quebrar o gelo, a expectativa da plateia, preparando o caminho da representação e do sucesso. Imitava, então, com invulgar fidelidade a fala atravessada dos “patrícios”, contava piadas, e improvisava com o público, já dominado, inúmeras brincadeiras.

Marido em primeiras núpcias da saudosa Fizinha, e depois da estimada granberyense Maria Helena. Antônio Lamha, generoso e cordial, sempre uma palavra amiga, naquela voz mansa e pausada: “Você mora no Rio, mas seu coração bate aqui. Isto é bonito”. Irmão solidário, filho querido de D. Maria e Jorge Lamha, gente especial, da melhor qualidade, em cuja casa hospitaleira, desde cedo, eu conheci tanto carinho e fraterna amizade.

Obrigado Antônio, pela alegria de sua vida. Você também ajudou a fazer a história desta cidade.

(Publicado no jornal O MUNICÍPIO, de 24 de julho de 1983)