Histórias do RAMAL DE PEQUERI A MAR DE ESPANHA – por Vantuil Marconato, ferroviário pequeriense

A página otremexpresso teve a honra de conversar com o Sr. Vantuil Marconato, “Sr. Guilú” – único ferroviário morando em Pequeri – que trabalhou por 30 anos na Ferrovia, tendo entrado para a E. F. Leopoldina em 1963 aos 21 anos (vinte e um anos), onde começou trabalhado na Manutenção da Linha na Equipe da Via Permanente, passando a Contra Mestre de Linha e depois a Encarregado – Assistente de Via Permanente, aposentando aos 51 anos em 1993 pela RFFSA.

Para ilustrar as histórias de Vantuil Marconato, este espetacular registro fotográfico de um acidente ocorrido em 1921: “Descarrilamento e tombo da Loco 156. Trem 126. Dia 24/3/1921. Kº 12 do Ramal de Mar de Espanha, MG.” E lá estavam os trabalhadores da Via Permanente junto à Equipe de Socorro

Hoje com 82 anos, Sr. Vantuil nos trouxe belos e históricos relatos:

Falou-nos de seu pai, Plínio Marconato, que também foi ferroviário trabalhando 39 anos no Ramal de Mar de Espanha, nos tempos em que a família morava na roça, no Lima – era lá que ficava a Casa de Turma de Pequeri – onde nasceu. Mudaram-se para a área urbana de Pequeri quando Vantuil ainda era pequeno, para que ele pudesse estudar. Passado alguns anos mudaram-se para Santa Helena, onde ele entrou para a E. F. Leopoldina, voltando para Pequeri após finalmente poder comprar sua casa.

Sr. Vantuil entrou para a ferrovia trabalhando em Pequeri, onde ficou por 10 anos trabalhando no trecho da Linha principal – Linha de Caratinga, percorrendo a pé grandes distâncias, seja sentido à Santa Helena ou sentido à Sossego; e no Ramal de Mar de Espanha, que era percorrido a pé, de ponta-a-ponta, ida e volta.

Recordou seus primeiros tempos de ferrovia, quando dois homens andavam a pé pela linha, um de um lado, outro do outro, marcando as peças danificadas enquanto outro seguia com uma agenda anotando tudo que precisaria ser trocado. Observavam detalhadamente trilhos, dormentes, pregos e as chapas onde prendiam os trilhos com os pregos nos dormentes.

Naqueles tempos, para a troca das peças e fixação dos trilhos nos dormentes, tudo era feito à mão: “Ainda não existia a brita. Os dormentes eram apoiados na terra mesmo! Depois é que apareceram as máquinas e a brita.”

Percorriam todo o trecho a pé.  Iam e voltavam andando cerca de 12 km’s por dia de serviço observando tudo detalhadamente. Não tinha trole para este serviço. Quando chegavam, fazia o mapa no escritório e mandavam para a “Residência”. Muito depois é que apareceram as máquinas e ferramentas! 

Lembrou-se da dificuldade para subirem de Trole a serra de Sossego para Pequeri numa turma composta de 12 homens, 13 com o Feitor: “todos tinham que empurrar o Trole na grande subida, não dava para “tocar” na vara. Era a turma toda empurrando para subir até chegar à Caixa d’água no Lima, aí era só descida até Pequeri.”

Foto aérea de Pequeri em 1969 vendo-se a segunda e atual Estação em destaque, tempo em que o Sr. Vantuil ainda trabalhava na via permanente

Disse que também existia uma Equipe de Ronda, que percorria o trecho também à noite com as antigas lanternas – as cambonas.

Lembrou-se da história de um guindaste que estava atendendo um acidente ocorrido próximo à Caixa d’água de abastecimento das Locomotivas, que existe até os dias de hoje 5km sentido à Sossego, no ponto mais alto deste trecho, onde a linha seguia de Pequeri em subida até a Caixa d’água para, de lá, iniciar a grande descida até Sossego. Não soube dizer o que aconteceu exatamente, mas o guindaste disparou descendo solto e desgovernado de volta para Pequeri, atingindo uma Máquina a Vapor que estava estacionada na Estação, entrando com “aquele bico” literalmente rasgando a Máquina de fora a fora. Segundo Sr. Vantuil, a descida era tão forte que a equipe de manutenção vinha sobre o trole sem precisar das varas: “O Trole descia sozinho.”

As ferramentas da equipe ficavam na garagem, encostada na Casa de Turma, no Lima, em direção a Sossego. Disse que hoje ela não existe mais, restando apenas a Caixa d’água.

Recordando seus tempos de ferroviário, disse: “meu trecho de trabalho era até o pó de pedra, pra cá do cemitério, onde tinha uma placa de quilômetro ali, a gente fazia de Santa Helena até a placa. A turma de Pequeri fazia dali prá cá. Quando tinha um serviço maior, uma turma ajudava a outra. A gente usava o arco de pua para furar os dormentes. Depois que apareceram as máquinas de furar dormente.”

“Para trocar os dormentes que eram trazidos de trem, eles eram descarregados e empilhados na beira da linha, a gente colocava no trole e ia levando até onde ia fazer a troca. Dormentes muito pesados, Aroeira pura. Dormente bom era de Braúna e de Aroeira. Houve um tempo que passaram a trazer dormentes de eucalipto roliço, a gente tinha que acertar ele para colocar certinho na terra. Aquilo era ruim pra caramba! Além do Ramal de Mar de Espanha, chegaram a usar dormentes de eucalipto aqui e no trecho principal também.”

Belíssimo registro de 1935, onde vemos o Trem passando ao lado da Rua Marcelino Tostes rumo à Santa Helena chegando na Praça José Flora, local onde ficava a primeira Estação de Pequeri. Como disse Sr. Vantuil…“Ainda não existia a brita. Os dormentes eram apoiados na terra mesmo! Depois é que apareceram as máquinas e a brita.”

Lembrou-se de uma vez que aconteceu uma tromba d’água na serra de Telhas, de Bicas para Rochedo, provocando uma enxurrada tão grande que arrancou mais de 500m de linha: “Aquilo ficou pendurado, um buracão enorme debaixo da linha. Juntou-se um monte de homens, a gente cavava a terra no morro perto pra ir jogando no buraco, depois tinha que socar tudo para compactar. Era “socaria” por muito tempo porque você socava, o trem passava e aquilo arriava tudo de novo.”

Disse que antes de fecharem o trecho de Três Rios a Ligação, a turma foi transferida diversas vezes, tendo trabalhado em Piraúba, Furtado de Campos, São João Nepomuceno. Depois que fecharam este trecho, ele foi transferido para Três Rios; depois para Sapucaia, Volta Grande e depois para Além Paraíba: “Equipe de via permanente era isso, cada dia mandavam para um lugar. Mas, para a época, a gente ganhava um dinheirinho bom.”

Lamentou terem acabado com a Estação de Santa Helena: “Ela não podia ter sido destruída”.

Teve um irmão ferroviário já falecido, Orlando Marconato, que também morava em Pequeri e que trabalhou na manutenção da linha do Ramal de Mar de Espanha.

Destacou que boa parte do antigo leito ferroviário para Mar de Espanha está escondido no meio do mato. Que a estrada rural de hoje não percorre todo o antigo leito ferroviário: “Existia um mapa da linha do Ramal. Com ele seria possível identificar o antigo leito ferroviário.”

Lembrou-se de outros ferroviários de Pequeri: “o Corrêa; o feitor José Fernandes; o agente de Estação Plínio – o Plínio da Estação – que gostava de uma caçada; e o José de Andrade, chefe da Estação.”

Destacou a importância da Fábrica de Pó de Pedra naqueles tempos: “Tem uma fábrica de pó de pedra ali na Praça José Flora que, por um tempo, chegou a ter um desvio ali, onde ficavam vagões estacionados para carregar de pedra.”

Este desvio era exatamente onde existiu a primeira Estação de Pequeri.

Belíssimo registro de 1935, onde vemos o Trem passando ao lado da Rua Marcelino Tostes rumo à Santa Helena chegando na Praça José Flora, local onde ficava a primeira Estação de Pequeri. Como disse Sr. Vantuil…“Ainda não existia a brita. Os dormentes eram apoiados na terra mesmo! Depois é que apareceram as máquinas e a brita.”

Outra lembrança importante do Sr. Vantuil: “Nos últimos tempos do Ramal de Mar de Espanha, o Trem do Ramal na verdade saía de Bicas, passava por Pequeri e ia para Mar de Espanha. Ao chegar a Pequeri, o Trem esperava o outro vindo de Três Rios para, em seguida, o guarda-chaves virar a chave e o Trem seguir para Mar de Espanha.”

Lembrou-se também da garagem de Trole que existia ao lado da casa de Turma de Santa Helena.

Que o Sr. Vantuil lembre ou conheça, além dele, não tem mais ferroviários que trabalharam em Pequeri morando na cidade.

Sr. Vantuil saiu de Pequeri transferido para Três Rios na mesma função, sempre percorrendo grandes trechos de linha. Depois de alguns anos em Três Rios foi transferido para Volta Grande. Andava de Volta Grande, para um lado até Cataguases e, para outro, até Recreio. Lembrou que neste período, já eram as empreiteiras que faziam o serviço de troca e manutenção das peças que a equipe havia identificado como necessidade de troca. Uma das coisas que o marcou neste trecho era que, de Abaíba para Recreio, o Trem subia muito para logo depois pegar uma grande descida até chegar a Recreio.

De Volta Grande, foi transferido para Além Paraíba, onde finalmente aposentou: “Ficava em Além Paraíba a semana toda! Tinha sábado que vinha, tinha sábado que não vinha, pois não dava tempo. Às vezes descarrilhava trem e tinha que ficar por lá mesmo.”

Em todo este tempo de trabalho sempre fez parte da equipe que andava pela linha identificando e marcando as peças que precisavam ser trocadas informando à equipe da Residência, que mandavam o material para fazerem o serviço de troca e manutenção das linhas.

Enfim…

Essa é a bela e riquíssima história do Sr. Vantuil Marconato, um grande ferroviário de Pequeri!

Fonte: O TREM EXPRESSO