De onde vêm o galinha e o pintinho

Os mais velhos se lembram que na antiga Bicas e, possivelmente, em boa parte do país era muito comum as pessoas, no quintal de suas casas, criarem pequenos animais e aves para consumo próprio, para venda ou, para algum escambo.

Comum também era a venda destes animais ainda vivos, principalmente aves, nas chamadas Vendas de Secos e Molhados ou, de porta em porta, geralmente conduzidos pelos vendedores presas pelas pernas e dependuradas numa vara de bambu.

Isto, num tempo em que não era “politicamente incorreto” sacrificar estas aves para resolver o problema imediato da própria fome ou, para os apreciadores se deliciarem com o sabor mineiro de um frango caipira com quiabo.

Mas antes de seguir com esta história há que se abrir parênteses para um caso real que veio à lembrança agora.

Uma história ocorrida em cidade próxima, mas que pede licença para ser contada aqui, antes de seguir-se com o varal de galinhas, que é a seguinte:

Existia na tal cidade uma rua com um bom número de crianças residentes além de muitas outras que por ali transitavam, em razão do início e fim dos turnos de aulas de três grandes colégios (um grupo escolar, uma escola normal e um ginásio). Naquele dia e horário não foi diferente, como nada era diferente no resto da cidade, não fosse um pequeno incidente. Num repente, sem que se soubesse se fugidas de um galinheiro ou, soltas de alguma gaiola de um dos vendeiros do local, surgiram na rua vários galináceos e alguém a gritar: pega !… pega !… pega !…. A partir daí, não se viu aluno que se lembrasse dos livros, cadernos, bicicleta ou, uniforme limpo. A correria foi geral. E se moleques já gostam de bagunça, imaginem instigados por um adulto e incentivados pelos colegas. Em poucos segundos a rua virou uma balbúrdia só, com meninos correndo em todas as direções e com os mais diversos objetivos. Uns buscando apanhar os frangos e galinhas. Outros, dificultando o trabalho dos primeiros, em busca de melhorar o espetáculo. E completava o cenário, a natureza da própria ave. Galinha apreendida, como se sabe ou se aprendeu naquela hora, via de regra tem intestino solto e não faz cerimônia se a camisa está limpa. O resultado prático, é claro, foi um monte de camisas fedidas. No final, o que menos se teve notícia foi de galinha que retornou às mãos do dono. Muitas voaram para quintais alheios e só Deus sabe se não caíram em alguma panela desavisada. Outras, com medo da turba, fugiram em busca do infinito. E é desnecessário dizer que em pouco tempo a molecada mais parecia aquele bando formado no fim das peladas dos bons tempos do campinho da Rua da Caixa. Uns com joelhos esfolados pelos tombos, outros cobertos de pó ou lama e outros, ainda, de cara vermelha por algum desentendimento por frango engolido ou, bola mal dividida.

E com o falar sobre a Rua da Caixa retorna-se então ao vendedor de galinhas com seu varal nos ombros para dizer que na vida real, o da história que se quer contar tinha nome próprio. Chamava-se Antonio Pedro da Cunha (1893 – 1968) e hoje empresta seu nome à travessa que liga a Rua da Caixa à do Bonde, atual Arthur Bernardes, onde ele residiu.

Antonio Pedro era uma pessoa simples. Foi ferroviário como muitos do lugar e um batalhador incansável na busca pelo sustento da prole. Durante um bom tempo trabalhou para uma família tradicional de Bicas que, dentre outras coisas, criava galinhas para vender.

Neste mister, senhor Antonio cuidava das aves do terreiro e nas horas livres se tornava  vendedor de galinha – de porta em porta, como era o costume da época. E assim, durante muito tempo exerceu este ofício circulando pelas ruas de Bicas e Guarará, sempre com seu varal de galinhas ao ombro e, quando necessário, apregoando o produto.

Por este modo e profissão tornou-se conhecido popularmente por Antonio das Galinhas ou, Antonio Galinha, como aconteceu no passado com algum ferreiro que deu origem ao sobrenome “Ferreira” e, com tantos outros apelidos que agarraram de tal forma nas pessoas que acabaram por se agregarem de fato ao nome de registro.

Assim, da ocupação “seu” Antonio herdou o apelido que impregnou na sua pessoa e dela, como que por osmose, passou aos filhos Tuninho, Vicente e Miguel “Galinha”. Destes, com as prestimosas contribuições dos alambrados e arquibancadas dos campos de futebol da cidade – escolas de rebatizar pessoas – passou de forma mais firme aos netos e ex-atletas que ainda hoje carregam a herança do avô nas variações pelas quais são geralmente conhecidos: Zé “Pintinho” e João “Gulinha”.

Por hoje o assunto fica neste ponto. Na próxima quinzena virão os “Ferreira da Fonseca”.

Aguardem.