Consertando os desconcertos

Também confesso que vivi aqueles tempos que muitos insistem em chamar de “Ditadura” e, eu julgo ser mais justo; “REGIME MILITAR DE GOVERNO,  NECESSÁRIO!”, o qual , assim como todo período que passa para a história como marco de novas diretrizes,  mudanças e evoluções, tem sempre personagens que se destacam e, naquela época, também teve seus expoentes.

João Baptista de Oliveira Figueiredo, ou, João Figueiredo, ou simplesmente, Figueiredo, nasceu na rua Sá Freire/São Cristovão, Zona Norte do Rio de Janeiro-DF (à época), em 15 de janeiro de 1918, filho do, mais tarde, também  general, Euclides de Oliveira Figueiredo e de Dª Valentina Silva de Oliveira Figueiredo. Sua mãe, matriculou o guri logo aos cinco anos de idade, dada a sua vivacidade, no Colégio Santa Teresa, de onde foi para o Colégio Nilo Peçanha, no centro do Rio, onde ficou até seu pai ser transferido para Alegrete-RS. Continuou os estudos em casa e, em 1927, com apenas 9 anos, matriculou-se como interno no 3º ano do Colégio Marista e, três anos depois, contando 12 anos e tendo se formado em 1º lugar de sua turma, passou, também, na primeira colocação, para o disputado “Colégio Militar de Porto Alegre”, para cursar  o 2º ciclo do Ensino Fundamental (Ginasial).

Já no primeiro ano do Colégio Militar mostrou a que viera e confirmou a fama de bom aluno. Em aritmética, ficou com média = 9,66 e, o pior resultado = 7,58 – foi em desenho, sendo que, nas demais – Língua Pátria, História, Geografia, Ciências, Moral & Cívica… etc, carimbou nota 10(dez) no impecável “Boletim”, o que foi mais que suficiente para livrá-lo das provas finais. Completou o curso em 1932 (como 1º colocado) e entrou para a Escola Militar de Realengo, obtendo o 1º lugar no concurso de admissão.

Em novembro de 1935, como Cadete do Exército e com apenas 17 anos, apresentou-se voluntário para combater a chamada “Intentona Comunista”.

O episódio da “Intentona Comunista” (1935),  já contribuíra para o aumento da repressão policial do Estado e, no segundo semestre de 1937, o clima de tensão política chegou ao ápice com a descoberta pelo Serviço de Inteligência de um ‘Programa Revolucionário’ para o Brasil,  novamente urdido, fomentado e financiado pela União Soviética (povinho insistente, sô !). O  presidente Getúlio Vargas usou  tal  fato para  justificar a necessidade da instalação de um ‘Estado de Exceção’ e,  no dia 10 de novembro de 1937,  determinou o fechamento do Congresso Nacional, e o regime que ficaria conhecido como “ESTADO  NOVO” foi oficialmente implantado no País, com a dissolução e clandestinidade de todos os partidos políticos,  restrição das  liberdades individuais, além de os meios de comunicação,  propaganda e de difusão cultural, como: jornais, rádio, cinema, teatro etc terem passado  à tutela do Estado. (Censura)

Seu pai, o General Euclides de Oliveira Figueiredo, era opositor a Getulio Vargas desde a Revolução de 1930, tendo sido um dos mentores e líderes da Revolução Constitucionalista de 1932. Com o fim desse conflito, seu pai foi preso e, posteriormente, exilado com sua família para Portugal e depois para a Argentina até 1934, quando obteve a anistia. Porém, foi novamente preso, em 10/11/1937 com a decretação do Estado Novo.

Pois bem, em 22 de Novembro, apenas doze dias após instaurar o “Estado Novo”, Getúlio Vargas foi à cerimônia de formatura da turma de “Aspirantes” da Escola Militar de Realengo. Como de praxe, o Presidente deveria entregar a espada, que simboliza a condição de “Aspirante da Arma de Cavalaria”, ao melhor aluno (1º colocado). Ao ser informado de que tratava-se do filho de um Coronel – mas, sem saber qual – o presidente caprichou no elogio ao entregar o símbolo :

… Espero que você  continue a carreira militar no mesmo passo em que a está iniciando, sempre se destacando e se tornando um oficial tão brilhante quanto  seu Pai!

Arrependeu-se amargamente!- A resposta do rapaz de 19 anos, já apontava para o estilo que o acompanharia pela vida afora: – … Obrigado, senhor Presidente, fique tranquilo, o único risco que eu corro é de terminar preso, como meu pai! Eu também sou anti-comunista. Seu pai, o então Tenente-Coronel Euclides Figueiredo, fora um dos líderes da revolução constitucionalista de 1932, quando deu-se sua prisão e consequente exílio em Portugal, o que ameniza a insolência do Cadete recém-formado, na resposta dada ao presidente da República.

A partir daí, Figueiredo alcançou promoções sucessivas, sempre por merecimento e repetitivamente como 1º colocado. Servindo no Regimento-Escola de Cavalaria Andrada Neves, na Vila Militar, em Realengo, foi promovido a Segundo-Tenente em abril de 1938 e a Primeiro-Tenente, em dezembro de 1940, sendo então enviado para o 8º Regimento de Cavalaria, em Uruguaiana. Em1943, viria a se casar com Dª Dulce, a qual conheceu no tempo em que, ele aspirante e ela normalista, iam no mesmo trem para o subúrbio onde ficavam o quartel e muitas escolas.

Em 1944, Figueiredo tornou-se Instrutor de Cavalaria na Escola Militar do Realengo, sendo promovido a Capitão em dezembro desse, com apenas 26 anos de idade. Em fins de 1945, ele sairia da Escola de Realengo, para, em 1946, cursar a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), obtendo novamente o  primeiro lugar, e, em 1947/48, foi instrutor da cadeira de “Fortificações”, na Escola Militar de Resende (mais tarde, Academia Militar de Agulhas Negras).

De volta à EsAO, entre 1949/52, desempenhou as funções de instrutor de cavalaria e, em abril de 1953, foi promovido a Major, ingressando na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Mais uma vez, terminou o curso como primeiro aluno.

Raios, dizem, não costumam cair duas vezes num mesmo local, mas, por capricho ou ironia do destino, algumas histórias costumam reprisar certas capitulações. Getulio, agora eleito – desde 1950 – teria que, uma vez mais vergar a espinha dorsal, e saudar aquele oficial que não se contentava em não ser o 1º colocado. Mais uma vez recebeu os cumprimentos de Vargas que, agora porém, sabia muito bem de quem se tratava, pois não o esquecera, o que fê-lo tremer e gaguejar: “Eeu   j já  o cumpriimentei  aantes  por  outtro  priprimeiro lugar, não foi ?! E nem mais uma palavra.

Também só recebeu como resposta, uma muda continência.

 Em 1954, Figueiredo passou a instrutor da ECEME e, em 1955, foi para “Assunção”, como membro da “Missão Militar Brasileira de Instrução”, para  ministrar treinamentos ao exército paraguaio, ainda um resquício da dívida contraída pelo Brasil com aquele País, na “Guerra do Paraguai”. Figueiredo ficou no Paraguai até 1958, e nesse período recebeu a medalha “Marechal Hermes com Três Coroas”, condecoração destinada aos oficiais que conseguissem o feito de serem os primeiros colocados nos cursos da Escola Militar, da EsAO e da ECEME.  Em novembro de 1958, foi promovido a tenente-coronel. Em 1960, ingressaria na ESG (Escola Superior de Guerra), onde novamente obteve a Primeira colocação(tá virando moda), e, em 1961, ingressaria no Serviço Federal de Informações e Contra-Informações do Conselho de Segurança Nacional, sob as ordens do General Golbery do Couto e Silva.

Em fins de 1963, Figueiredo, que gozava de altíssimo prestígio em função de sua conduta exemplar e postura cristalina, foi convocado e recebido no apartamento do então  presidente João Goulart, o qual queria ouvir os conselhos daquele militar tão eloquente, by-passando; Coronéis, Generais, Marechais, Almirantes, Brigadeiros. A conversa durou quatro horas.  Ali, Jango ouviria de seu ilustre convidado, que as Forças Armadas se manteriam sim, dentro dos quartéis e observando fielmente os desejados princípios da legalidade, desde que o presidente revisse as bandeiras e alianças recém-costuradas por seu governo (Rússia, China Cuba, entre outras). Mas Jango não deu ouvidos às palavras do tenente-coronel, a quem tachou de falastrão, uma vez  que, a uma objeção do Presidente e sugestão de outras rotas, respondera  rudemente: “Por via deste caminho o senhor será derrubado”.

De fato, os preceitos legalistas de Figueiredo não duraram muito. Em 31 de março de 64, Jango entrou em contato com ele na ECEME para pedir seu apoio. A resposta não foi menos direta que o alerta: “Agora é tarde, o senhor já está derrubado!”.

Figueiredo, apesar de ter aderido ao movimento e ter sido o autor do plano para a tomada do Forte de Copacabana, telefonou ao presidente e lhe deu garantias de segurança até o embarque no avião que o levaria ao exílio, missão prometida e cumprida pelo próprio, pessoalmente. Com uma guarda de escolta selecionada pessoalmente, embarcou no mesmo automóvel com o presidente e Dª Maria Teresa, para incutir-lhes calma e segurança de que nada aconteceria no trajeto. Avesso aos holofotes, despediu-se do presidente à porta do “Aero-Willys Itamarati” com um abraço afetuoso, e brincou com ele: – Juízo, hein! (segundo relato do motorista).

Empossado, o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, criou o Serviço Nacional de Informações (SNI), no dia 13 de junho de 1964, e, em agosto, Figueiredo era promovido a coronel, sendo chamado por Golbery para chefiar a agência do SNI no Rio de Janeiro. Golbery passara para a reserva em setembro de 1961, e agora era Chefe Nacional do SNI. Figueiredo integrava uma seleta legião de Oficiais-Generais que apoiavam a distensão e reinstitucionalização do regime, com vistas à redemocratização do País, o mais breve possível.

Durante o governo Costa e Silva, em março de 1969, Figueiredo foi promovido a General de Brigada e, no mesmo mês, o Chefe do SNI, General Emílio Garrastazu Médici, assumiu o comando do III Exército (RS) e, aproveitando-se da experiência de Figueiredo nas informações, chamou-o para a chefia de seu Estado-Maior. Com a morte de Costa e Silva e posse de Médici, Figueiredo foi nomeado chefe da Casa Militar em substituição ao General Jaime Portela e, instalou-se na Granja do Torto – residência oficial do chefe da Casa Militar. Gostou tanto que se recusou a sair de lá mesmo depois de promovido.

A subida de Geisel à presidência marcou a volta triunfal ao poder do grupo que se formara durante o governo Castelo Branco: Golbery era o chefe da Casa Civil; Heitor Aquino, o secretário particular do presidente; e Figueiredo, o novo Chefe Nacional  do SNI. Na chefia do SNI, ganhou a fama de homem austero, senhor de uma linguagem ríspida e direta e de um temperamento explosivo. Ao mesmo tempo, a atividade no SNI num período de distensão política, exteriorizou a imagem de militar ponderado e humano, responsável pelo fim das punições no regime.

Gozando de intimidade no poder, Figueiredo tinha uma sala no 4º andar do Palácio do Planalto e participava nas reuniões diárias do presidente com Golbery e o ministro chefe da Casa Civil. Escolhido como sucessor de Geisel, foi empossado na presidência da República a 15 de março de 1979, sendo o Presidente com o maior índice de popularidade e aprovação num regime de exceção. Em seu primeiro mês no governo, Figueiredo enviou ao Congresso, já restabelecido, pedindo pressa aos Deputados e Senadores, o Projeto da ”Lei da Anistia” e, dia 28 de agosto de 1979, sancionou a Lei nº 6.683, já aprovada. A lei anistiava todos os cidadãos punidos por atos de exceção desde 9 de abril de 1964 em diante, beneficiando 4.650 pessoas, além de decretar o restabelecimento das eleições diretas para os governos estaduais. No ano seguinte, iniciaram-se as campanhas das Diretas Já, que acabaram rejeitadas pelo Congresso Nacional, porém,  Figueiredo decretou que haveria eleições presidenciais nem que fosse de forma indireta, que decretariam o fim do Regime Militar.

Fez também duas previsões sem precedentes:

Uma, no exercício de seu mandato, diante da insistência de políticos para que o “PT” fosse reconhecido, teria dito: Se vocês querem, então eu vou reconhecer esse Sindicato de ladrões como sendo um Partido (PT).  Mas, não se esqueçam que um dia esse “partido” chegará ao poder e, lá estando, tudo fará para instituir o comunismo no Brasil. Nesse dia, vocês vão querer tirá-lo de lá, e isso, será a custa de muito “Sangue Brasileiro” !

A outra, em seu discurso de despedida: “Fiz até o que parecia impossível, ou seja, a transição do poder na paz, na ordem e sem traumas. Porém, confesso que deixo a Presidência muito preocupado com o que vão fazer com tanta “Democracia e Liberdade”, e o que é pior, com as esquerdas comunistas mais vivas do que nunca, e que num futuro muito próximo, vão lançar o País numa orgia e num mar de lama”.

Em 1987, numa entrevista já como ex-presidente, cunhou uma de suas grandes pérolas: questionado, disse ao jornalista: “Sou Parlamentarista em tese, mas na atual situação do Brasil, defendo o Presidencialismo, com 05(cinco) anos de mandato para o Presidente da República. Ah, para o Sarney, dois dias já é muito!”

NOTAS:

I) Depois de deixar o poder e voltar a viver às próprias expensas, não conseguiu arcar com as despesas do Sítio Dragão, em Petrópolis, do qual se desfez gradativamente, vendendo primeiramente os cavalos (sua grande paixão), e, por fim a propriedade.

II) Não mandou rodar um filme pseudo-biográfico de auto-exaltação e culto do próprio ego, pago com dinheiro público.

III) Não usou dinheiro público para fazer um Parque homenageando a própria mãe.

IV) Nunca entrou no hospital Sírio e Libanês nem no Albert Einstein.

V) Nunca comprou um “Aero-João” de luxo no exterior, andava em aviões da FAB.

VI) Nunca enviou dinheiro do Tesouro Nacional para ajudar outros Países.

VII) Não saiu da “Granja do Torto” acompanhado por 11(onze) caminhões-baú lotados de tudo que é espécie de quinquilharia,  móveis e objetos roubados, em particular um faqueiro de Ouro-18K dado de presente pela Rainha Elizabeth, da Inglaterra, ao então presidente  Arthur da Costa e Silva, juntamente com um Rolls Royce em 1968.

VIII) Era grosso, bronco, transparente, objetivo e direto, falava de maneira simples,  porém corretamente e, nunca exaltou a própria ignorância, até porque, detinha nível  “Superior” de ensino.

IX) Jamais apareceu embriagado em público, nem muito menos com a calça urinada.

X) Nunca fez nenhuma concessão ou conchavo, nem praticou o fisiologismo para obter apoio no Congresso, e nem passou a apoiar notórios larápios desonestos, depois de os haver chamado de ladrões.XI) Quando adoeceu, foi operado no Hospital dos servidores do Estado do Rio de Janeiro.

XII) Faleceu pobre, na noite de Natal de 1999, de insuficiências renal e cardíaca, em seu único imóvel, um apartamento de três quartos e com mais de quarenta anos de construído, em São Conrado, Zona Sul do Rio de Janeiro, onde levava uma vida simples.  Foi velado e sepultado – sem pompas – no Cemitério do Caju.