O mês de maio

Escrito por Antônio Santa Cruz Calvário
(Tonico da Dona Minervina)

Em Bicas havia uma tradição no mês de maio: “Os festejos da Igreja Matriz”, pois é o mês de Nossa Senhora. Era uma festa muito bonita. Eu mesmo participei de muitas. Havia sempre uma festeira que preparava e organizava toda programação que acontecia do dia primeiro até o dia 31 de maio.

O ritual mais importante dessas festas era a coroação de Nossa Senhora. Para isso eram escolhidas as meninas que iriam participar. Todas as noites, após a reza (uma pequena missa), as meninas iam em um cortejo muito bonito, vestidas de anjo com as assas bem grandes… tudo muito branco, roupas longas. O anjo que iria coroar Nossa Senhora seguia à frente carregando a coroa. Era muito bonito assistir aquele momento de tanta beleza e fé. Essas não escondiam a euforia e ansiedade pelo momento da distribuição das sacolinhas de doces e cartuchos de amêndoas, que acontecia logo após a celebração.

No momento em que colocavam a coroa sobre a cabeça da Santa, os sinos badalavam, fogos coloridos brilhavam no céu e a banda fazia-se ouvir com grande entusiasmo. Depois, continuavam a tocar no coreto, ao lado da Igreja, músicas populares da época.

Acontecia, também, em uma barraca ao lado do coreto, um muito animado e concorrido leilão de prendas, doadas pelos fieis, que tinha a finalidade de angariar fundos para obras da Igreja. Era muito divertido! Também, tinha outra barraca com sorteios feitos por porquinhos da índia que escolhiam uma casa numerada para entrar e o apostador que comprou o bilhete correspondente ganhava o prêmio.

A barraca do leilão ficava muito cheia, e os lances alcançavam bons resultados. Ao lado, no coreto, a banda tocava, intercalando a vez com o leiloeiro, que tinha a função de leiloar as prendas doadas.

A festa do mês de maio contava com a colaboração de vários voluntários, como o Sr. José Ferreira (pai do fotógrafo Adelson), que sempre exercia a função de secretário-tesoureiro.

Já faz muito tempo que isso aconteceu… Tenho certeza de que todas aquelas crianças e adolescentes jamais se esqueceram desse pedaço de suas vidas. O tempo passou, mas as lembranças ficaram dentro de cada um de nós.

Os circos

Escrito por Antônio Santa Cruz Calvário
(Tonico da Dona Minervina)

Os circos foram, por muito tempo, uma das principais formas de lazer nas cidades do interior.

Nos fins da década de 50, e princípio da de 60, era um motivo de grande alegria a chegada de um circo em Bicas. Quase sempre eram montados num então grande terreno, situado no centro do Bairro Santana, normalmente, uma armação desmontável, coberta com uma lona. Eram destinados a espetáculos de variedades, acrobacias, com malabaristas, contorcionistas, mágicos, palhaços e outros personagens que buscam divertir e surpreender o público. O palhaço é uma figura inocente e divertida que está no imaginário das pessoas, há muito tempo.

A magia do circo nos remete a algo incrível, fazendo-nos viajar na alegria do palhaço, nas acrobacias e criatividade dos seus artistas.

Ao chegar um circo na cidade, era de costume, na véspera da estreia, fazerem um desfile com os seus artistas e os animais nas principais ruas, apresentando um bonito espetáculo. Normalmente, as pessoas saiam de suas casas para assistirem a apresentação e se
manifestavam com muitas palmas. Quase sempre o palhaço ia na frente com sua perna de pau e um megafone cantando: “Hoje tem marmelada?” “Hoje tem goiabada?” Hoje tem macacada?” … e a criançada respondia: “Tem sim senhor”… Em seguida, ele perguntava: “E o palhaço o que é?” … Todos respondiam: “É ladrão de mulher”. Os leões, macacos, cachorros etc desfilavam em suas jaulas e o elefante era puxado por uma corda.

Eu me lembro que, juntamente, com outros meninos, éramos contratados pelo dono do circo para acompanharmos o desfile e fazer coro com o palhaço. Para compensar o nosso trabalho, após o término do desfile, ele fazia uma marca em nossos braços com uma tinta azul, para sermos identificados na portaria  e assistirmos ao espetáculo de graça.

As apresentações ficavam sempre cheias. Para se conseguir um bom lugar nas arquibancadas, o espectador tinha que chegar cedo e enfrentar uma grande fila. Também, eram oferecidas poltronas perto do picadeiro, com um preço mais alto.

Faziam parte das apresentações: os palhaços, mágicos, contorcionistas, trapezistas, as vezes tinham o globo da morte, também, a apresentação dos animais, como leões, elefantes, macacos, cães, girafas etc. Depois da apresentação dos artistas, eles apresentavam um teatro dramático, que prendia a atenção dos espectadores, ao ponto de, no final da apresentação, muita gente ficar com lágrimas nos olhos. Às vezes, apresentavam uma comédia que proporcionava muitos risos.

O circo, na época, era muito esperado pelos biquenses. Proporcionava-nos bons momentos de distração, emoção, risos e muito suspense, com um grande silencio na apresentação dos trapezistas. Eu e outros meninos íamos durante o dia ao local, onde o circo estava armado, para vermos os animais de perto, rir das macaquices dos macacos, ver o banho dos elefantes etc, mas…. o nosso principal objetivo era ver de perto as lindas trapezistas, quase sempre filhas do dono do circo. Como foi bom ser menino naquela época.

O Bar do Embrulhão

Escrito por Antônio Santa Cruz Calvário
(Tonico da Dona Minervina)

Entre os anos 40 e 80, o bar mais tradicional e frequentado em Bicas foi o Bar do Embrulhão, na Rua dos Operários. O proprietário, Sr. João Pinto de Castro (Embrulhão) era um homem muito alegre e brincalhão, muito estimado por seus amigos e fregueses.

A sua residência ficava nos fundos do bar. Sua esposa e os filhos: João Celso, Lacyr, Leatrice, Aparecida, Laize, Vera Lúcia e o Sebastião Leme (Alemão), nas horas vagas, davam uma mão ao pai na administração do bar.

Na época, os gerentes dos bancos, como os senhores Moreira, Carlos de Oliveira, Mário Giannini, e outros, ao receberem seus mais ilustres e importantes clientes para realizações financeiras não iniciavam os negócios sem antes ir ao Bar do Embrulhão, para tomarem aquele gostoso cafezinho.

No bar, além do tradicional café, também era oferecido deliciosos salgados e doces, cuidadosamente, preparados por sua esposa com todo carinho e higiene. O Bar do Embrulhão também foi o ponto de partida e chegada da Perua do Sr. Tonho, (Viação Santos), que partia para Juiz de Fora, às 7h15, e retornava por volta, das 18h. Na foto anexa, podemos ver a perua, ao iniciar a viagem para Juiz de Fora.

Durante muitos anos fui vizinho do Embrulhão, pois tinha uma loja e morava na mesma rua, e tive a grata satisfação de conviver com a sua querida e adorável família. Frequentemente, ia ao bar tomar um cafezinho e saborear um gostoso salgadinho.

Embrulhão: o seu nome ficou registrado na história de nossa cidade para que as futuras gerações possam conhecer a memória do nosso passado, da nossa gente e das nossas origens.

O Bazar São Francisco

Escrito por Antônio Santa Cruz Calvário
(Tonico da Dona Minervina)

Um dos mais antigos estabelecimentos comerciais de Bicas, o Bazar São Francisco foi fundado pelo Sr. Francisco Padula, que era carinhosamente chamado de Titino Padula. Era localizado na Rua Coronel Souza, entre a antiga filial das Casas do Compadre e o Bar Tabuleiro da Baiana, e o seu fundo de comércio era papelaria e artigos de utilidade doméstica.

O Sr. Titino era uma pessoa muito alegre, divertida e estimada por todos. Constituiu uma clientela fiel e muito grande para o seu estabelecimento. Após muitos anos, com o falecimento do Sr. Titino, o seu filho, José Padula, chamado por todos de Zé Padula, também, muito alegre e comunicativo, pediu demissão da Estrada de Ferro Leopoldina, onde exercia a função de Maquinista para assumir a direção do Bazar, e, juntamente com a sua esposa, e as filhas, Aparecida, Ione, Eneida e Maria José, deram prosseguimento ao bom atendimento do estabelecimento.

O Zé Padula, com visão de expansão dos negócios, e tendo em vista que, naquela época, ainda, não existia a televisão, e a única fonte de ficar em dia com as notícias era a leitura de ornais e revistas, anexou ao seu estabelecimento uma bem montada banca de jornais e revistas, onde podíamos comprar: “O Jornal”, “Correio da Manhã”, “Jornal do Brasil”, “A Tribuna da Imprensa”, “Jornal dos Sports”, “A Noite”, “O Globo”, “Ultima Hora”, entre outros. As revistas mais vendidas eram: “O Cruzeiro”, “Manchete”, “Revista do Rádio”, “Capricho”, “Seleções”, “Burda” etc.

Existiam, também, as revistinhas infantis: “O Gibi”, “O Guri”, “Super Homem, “O Pato Donalds”, “Tiquinho”, “Pernalonga”, “Zé Carioca” etc. Por lá, ainda, podíamos comprar os pacotes de figurinhas para completar álbuns, tais como os de artistas do cinema, de ídolos do futebol, principalmente, em anos de Copas do Mundo… Álbum de bichos, flores, personalidades etc. Como era divertido colecionar as figurinhas.

Antes de termos a banca em Bicas, a saída era ir à Estação da Leopoldina, esperar a chegada do Expresso 21, que vinha do Rio de Janeiro e passava em Bicas, às 13h, e comprar jornais e revistas do jornaleiro Sr. Mário, que vinha do Rio e ia até Ubá, vendendo jornais nas paradas nas estações.

A compra era um sufoco, pois tinha fila e o trem não ficava muito tempo na estação. Era somente o suficiente para a troca da locomotiva. Como estou fora de Bicas, por mais de 40 anos, não sei se alguém deu continuidade ao importante estabelecimento comercial.

As telefonistas

Escrito por Antônio Santa Cruz Calvário (Tonico da Dona Minervina)

Na década de 50, e princípio dos anos 60, eram poucos os telefones residenciais e comerciais instalados em Bicas. Para se fazer uma ligação, local ou interurbana, tínhamos que acionar as telefonistas, através de uma manivela que fazia parte dos antigos aparelhos telefônicos. Elas recebiam as nossas chamadas e perguntavam a quem deveriam chamar.

No painel, à frente das telefonistas, havia um pino e uma tomada para cada aparelho local instalado e, caso a ligação solicitada fosse para Bicas mesmo, e tendo em vista que cada telefone instalado possuía uma tomada no painel, ela conectava o pino na tomada correspondente ao telefone solicitado na chamada. Feito isso, avisava a pessoa e transferia a ligação.

Para se fazer uma ligação interurbana, às vezes, demorava muitas horas e até o dia inteiro. Por aqui, tivemos competentes telefonistas como a Filomena, a Lenira, a Wanda Silva, irmã do saudoso Erinho, e muitas outras que, apesar de lembrar delas, não lembro mais os seus nomes. A operadora, na época, era a CTB (Companhia Telefônica Brasileira).

O Centro Telefônico em Bicas ficava em uma casa, na Rua D. Ana, atrás da antiga Prefeitura, e ao lado da casa do Dr. Milton de Souza, um dos mais conceituados médicos da cidade, na época. E, para o atendimento aos clientes, que não tinham aparelhos telefônicos em suas residências, ou estabelecimentos comerciais, a central dispunha de algumas cabines com aparelhos para atendimento e, na sala, haviam algumas poltronas para a espera da complementação da chamada que, geralmente, levava muitas horas.

Devido ao desenvolvimento tecnológico, telefonista é uma profissão extinta, já que até mesmo nas centrais de atendimento, a transferência de ligações é realizada pelo atendimento digital. A “Era das telefonistas” terminou com a invenção do telefone de discagem direta e ligação automática.

A partir de 1966, as “telefonistas” passaram a cuidar exclusivamente de serviços especiais, como por exemplo, o de auxílio à lista. Às vezes, fico pensando como evoluímos em termos de comunicação, pois, hoje em dia, através dos aparelhos celulares que levamos nos nossos bolsos, fazemos ligações de áudio e vídeo para qualquer parte do mundo, instantaneamente, e podemos ser vistos e ver as pessoas, com quem desejamos nos comunicar, com pureza de som e nitidez de imagem.

Será que ainda vamos ter mais algum desenvolvimento, como diz o nosso amigo João Lúcio. É pra se pensar!

O Bar da Yêda

Escrito por Antônio Santa Cruz Calvário (Tonico da Dona Minervina)

Na década de 50, e princípio da de 60, o Bar da Yêda foi um dos mais frequentados de Bicas. Funcionou durante muitos anos na Rua dos Operários, em frente as oficinas da Estrada de Ferro Leopoldina. Ficava ao lado da Farmácia Santa Maria, dos queridos farmacêuticos, Sr. Ivan de Castro e Sr. Pedro Dutra de Moraes. No local, hoje existe um dos prédios da Organização Fama.

Esse bar ficou na lembrança e deixou muita saudade. Uma de suas características, era manter um serviço de alto-falante, com grande potência, que ficava afixado na parte da frente do bar.

A Yêda usava o serviço para que os seus fregueses oferecessem músicas para os amigos, namorados, etc…. Até aí, tudo bem, mas…. como naquela época havia uma grande rivalidade entre os clubes de futebol, principalmente, entre o Esporte Clube Biquense e o Leopoldina Atlético Clube, sempre que havia uma partida entre os times. O clube vencedor pagava a Yêda para tocar, durante o dia seguinte ao jogo e durante toda a semana seguinte, uma música de gozação, que na sua letra dizia: “Estou doente, morena… Morena, estou doente… Cabeça inchada, morena…Tô e tô e tô”.   

Se o Leopoldina fosse o derrotado, o Esporte pagava para tocar a música para gozação dos operários das oficinas, que ficava em frente ao bar, e eram torcedores do clube, mas quando o Leopoldina ganhava do Esporte, pagava com a mesma moeda, e os torcedores do Esporte é que ficavam zoados… Ninguém tinha paz na redondeza.

Eu, que tinha uma loja próxima ao bar, qualquer que fosse o vencedor, não tinha sossego, ouvia a música mais de 300 vezes por dia e, à noite, ao deitar, ficava com ela na cabeça e custava dormir. Era uma tortura!

O nosso alívio foi quando o Joel Fonseca comprou o bar, anexou uma ótima padaria, e desativou o maldito serviço de som.

O camelô

Escrito por Antônio Santa Cruz Calvário (Tonico da Dona Minervina)

Em Bicas, como em outras cidades, sempre aportavam camelôs para venderem seus remédios que tudo curavam. Logo que chegavam na cidade, contratavam uma pessoa para ajuda-los nas mágicas, que normalmente faziam para atrair compradores para os seus produtos. Davam, também, algum dinheiro a duas ou três pessoas para que, assim que começassem a vender os remédios, eles serem os primeiros compradores com o objetivo de estimular e incentivar as vendas.

Em nossa cidade, quase sempre se instalavam na praça, em frente ao Bar Memphis, onde atualmente está o prédio da prefeitura, ou na pracinha entre a linha do trem e a Casa do Compadre, no início da rua Coronel Souza.

Como na época existiam poucas opções de divertimento, a chegada de um camelô era um sucesso. Juntava uma grande multidão à sua volta.

Habitualmente, eles eram chamados de “solta a cobra”, pelo motivo de sempre chegarem com uma caixa com uma enorme cobra, que se chamava “Dona Catarina”. Levavam, também, uma bolsa com um lagarto de nome: Dom Pascoal.

Eu me lembro que, juntamente, com outros meninos, permanecíamos no local do início ao fim da apresentação.

Em uma das seções, o camelô disse que durante a apresentação a Dona Catarina iria engolir o Dom Pascoal e que este também iria engolir a Dona Catarina e os dois iriam desaparecer, Ficamos observando o tempo todo e esse acontecimento não ocorreu.

Em outra apresentação, o camelô virou para o público e disse: “Agora eu vou soltar o Dom Pascoal e ele vai morder o pé de um menino que está sem cueca”. Nesse momento, vários meninos, eu não, e também alguns adultos, saíram de fininho; no entanto, o camelô disse: “Podem voltar que é brincadeira”.

Quase sempre os vendedores eram verdadeiros artistas que sabiam entreter as pessoas e sempre vendiam bem os seus remédios e, no fim, todos ficavam felizes e esperançosos pelo efeito dos medicamentos.

Dona Zenóbia

Escrito por Antônio Santa Cruz Calvário (Tonico da Dona Minervina)

Os alunos que passaram pelo Grupo Escolar Coronel Joaquim José de Souza, nas décadas de 40, 50 e 60, certamente, vão se lembrar da Dona Zenóbia, uma pessoa muito alegre e comunicativa, sempre com um sorriso no rosto. Ela era muito estimada pelos alunos, professoras e funcionários do grupo, pois sabia cativar a todos. Dona Zenóbia era solteira, tratava os alunos como se fossem seus filhos e, como cozinheira da  cantina, servia diariamente uma suculenta sopa.

Às sextas-feiras, além da sopa, ofertava um gostoso arroz doce. Para ter direito à sobremesa, o aluno tinha de contribuir para a Caixa Escolar, com a importância de 500 reis, equivalente a 50 centavos, na moeda atual. Caso o estudante não tivesse o dinheiro, podia contribuir com a entrega de um ovo.

Eu me lembro que não deixava de comer o arroz doce. Quando não dispunha do dinheiro, ia até a Estação da Estrada de Ferro Leopoldina, que sempre tinha engradados de galinhas aguardando a chegada do trem para serem despachadas para o Rio de Janeiro, e, com a ajuda de uma varinha, retirava um ovo e garantia a minha iguaria.

No entanto, Dona Zenóbia tinha um coração muito grande: se o aluno não tivesse o dinheiro ou o ovo, não deixava de lhe servir o arroz doce, sempre com um sorriso no rosto.

Dona Zenóbia deixou muita saudade para os alunos que tiveram a sorte de conhecê-la e que desfrutaram da sua amizade e do seu carinho.

Cine Theatro São José

Escrito por Antônio Santa Cruz Calvário (Tonico da Dona Minervina)

Para falar do saudoso “CINE THEATRO SÃO JOSÉ”, basta apenas dar uma volta no tempo e deixar-se ir pela imaginação para poder resgatar esta nostalgia, bem lá do fundo do túnel, para que possamos viver um pouquinho dessa fantástica fábrica de “faz de conta” que é, e que foi o nosso querido e inesquecível cinema de Bicas. Quanta lembrança nos traz os lindos momentos que o cinema de Bicas nos proporcionou. A televisão na época, anos 1960, era privilégio apenas dos bens sucedidos, financeiramente. Essa regalia ainda demorou por um bom tempo para chegar às casas dos menos favorecidos.

E, assim, eu como tantos outros da minha idade, fomos sem dúvidas os protagonistas dessa magia que era curtir um cineminha, desde as inesquecíveis matinês, aos domingos, às 10 horas, como também as sessões das 18h e 20h, quase sempre lotadas. Simplesmente, por que não havia outra diversão. O entusiasmo e as novas descobertas sempre falavam mais alto, quando chegava um enorme cartaz anunciando um filme novo… Despertava a nossa atenção, e ao passarmos em frente ao cinema, acompanhávamos o Chicão a fixar os cartazes, pregando com tachinhas nos quadros fixados nas paredes as fotos, onde se via estampadas algumas cenas dos filmes. Só isso já era gratificante! Estar ali, debruçado em uma das cancelas, vendo e acompanhando, passo a passo, o trabalho do Chicão, que também pintava faixas e cavaletes com propaganda dos filmes e os levava para serem afixados em locais de movimento de pessoas. O Chicão também trabalhava nas oficinas da Estrada de Ferro Leopoldina e, nas horas de folga, consertava os nossos fuscas.

Era realmente fantástico ver as longas e pesadas cortinas se abrirem dando lugar à imagem projetada na tela branca. A projeção era um trabalho do funcionário Gote (Iguatemi Índio do Brasil), que durante o dia trabalhava na Fábrica de Calçados Almirante. Antes do início, enquanto se esperava abrir as cortinas, ouvíamos músicas suaves, quase sempre uns boleros cantados por Gregório Barrios, Pedro Vargas e outros. Como era gostoso chegar atrasado, ao som do jornal esportivo do Canal 100, onde tínhamos a oportunidade de ver um trecho da partida de futebol entre Botafogo e Flamengo, realizada na semana anterior, e ter que procurar no escurinho do cinema, um lugarzinho vago, entre uma cadeira e outra, permanecendo sempre abaixado, para não atrapalhar os que ali já estavam com os olhos grudados na tela. Pois nem sempre o lanterninha se fazia presente para nos acompanhar até o suposto assento vago.

Os eternos apaixonados namoravam sem se preocupar com o que estava sendo exibido. Bastava um estalo de bolas de chicletes para que formasse um coro, de pedido de silêncio. Quanta lembrança nos traz os casais de namorados, onde reinava o cavalheirismo, comprando os ingressos com o Dalton Retto, com o Décio ou com o Duílio. Na portaria, recebendo os ingressos, estava o Sr. Chico Retto ou o Sr. Gentil de Almeida, sócios do cinema, muito gentis e cavalheiros, sempre acompanhados de um fiscal de menor que quando tinha um caso complicado, recorria ao Delegado, Bacharel José Maria Veiga, que em poucos minutos resolvia o problema e mandava colocar uma pedra em cima.

Uma hora antes do início das sessões, formava-se uma enorme fila para compra de ingressos, que se estendia mais ou menos até o casarão do Cel. Joaquim José de Souza, onde hoje, no local, está a agência do Banco do Brasil. Também se formava uma fila para a entrada no cinema. Todos que viveram essa época foram testemunhas dos movimentos de pessoas que ficavam transitando em frente ao cinema, num vai e vem, entre o jardim da igreja e a travessia da linha do trem, no início da Rua dos Operários, o famoso “footing”, onde, quase sempre começavam os namoros.

Essas eram as emoções de um tempo, que ficaram perdidas para sempre no seu próprio tempo, talvez na esperança de que um dia alguém possa reerguer um pouquinho desse nosso passado para a nossa querida cidade de Bicas, e por que não, sonho de alguns, poderem presenciar, mais uma vez, as antigas portas do nosso “CINE THEATRO SÃO JOSÉ” se abrirem novamente, nem que seja em outro local, pois o antigo imóvel, onde funcionava o cinema, foi demolido, porque, reverenciar ao nosso passado, é uma forma de agradecer a Deus pelo presente e nos reconciliarmos com nós mesmos, o nosso futuro!

Lembranças do passado

Escrito por Antônio Santa Cruz Calvário (Tonico da Dona Minervina)

Existem muitas coisas que, no espaço de tempo, mais ou menos uns cinquentas ou sessenta anos, sumiram do mapa. Exemplos: não se ouve mais falar em comer um pedaço de carumba como tira-gosto de uma pinguinha. Acho que pouca gente sabe o que é carumba, pois está em desuso. Para os que não sabem, a carumba consiste em uma massa de torresmo, prensado, até ficar quase completamente sem gordura…  Quase sempre tinha uma forma de um grande queijo, de onde vão se tirando as porções. É excelente tira-gosto para acompanhar o “traçado” (cachaça com vermute).

Como a carumba, existem muitas coisas que, no espaço de tempo, também, sumiram do mapa. Não se ouve falar mais: “Alpargatas Roda”; Chinelos de Liga; Camisa “Volta ao Mundo”; Sapato “Tank”; Sapato com contraforte; Solado de pneu; Meia sola; Capa e chapéu de “shantung”; Apito de barro em forma de passarinho; Pirulito no tabuleiro; Sorvetes em casquinhas brancas de polvilho; Caneta tinteiro; Mata borrão; Mimeógrafo a álcool; Gorro de meia; Casquete; Chapéu copa norte; Galocha; Guarda pó; Carroças de leite; de lixo; de pão; Garrafeiros; Vassoureiros; Amoladores ambulantes; Tocadores de realejo; Manivela de empinar papagaios; Bola de meia; Dedal; Ovo de madeira para se costurar meias; Ligas para segurar meias; Corte de cabelo “Principe Danilo”; Pinguim de geladeira; Bibelots; Tamancos de madeira; Diabolô; Bilboquê; Topete de cabelo; Travessa de cabelo; Pente de chifre; Pente “Flamengo”; Pente fino; Calça boca de sino; Balas com figurinhas; Enviar e receber cartas; Tostex; Bomba de fritz; Espelhinho de bolso com escudo do Flamengo e outros; Tinteiro sardinha; Goma arábica; Tinta “Guarany” para tingir roupas; Licoreiro; Enceradeira; Máquina de escrever; Escovão; Cera para dor de dentes; Bobs nos cabelos; Botões nas braguilhas das calças; Filtro “Fiel”; Mancebo; Penico; Caneca de esmalte; Talco “Johnson”; Pó de arroz; Pó compacto; “Ki- Suco”; Drops “Dulcora”; Balas Torino; Rachadores de lenhas; Desentupidores de chaminés; Parteiras; Benzedeiras; Vendedores de frangos no varal; Vendedores de peixes nas fieiras; “Biotônico Fontoura”; “Gumex”; “Mertiolate”; Óleo “Glostora”; Óleo de lavanda “Bourbon”; Brilhantina “Royal Briar”; Colonia “Lancaster”; Extrato “Dirce”; Perfume “Tabú”; Colonia “Cashmere Bouquet”; Óleo de Lima; Leite de Colônia; Creme dental ”Kolynos”; Baton Coty”; Brilhantina “Promessa”; Tintura “Márcia”; Papel almaço”; Papel manilha; Meias de Helanca; Sabonetes: “Eucalol”, “Gessy”, “Carin”, “Vale Quanto Pesa”, “Vinólia”,”Cinta Azul”, “Lifebuoy”, etc.; Cigarros “Yolanda”, “Elmo”, “Saratoga”; Piteiras”; Biscoitos “Gelco”; Cintos feitos de maços de cigarros vazios; Pasta de dentes “Odol”; Água de Colônia “Regina”; Soda “José Weiss”; Vinho de Jurubeba; Sorvete de Groselha; Sapatos: “Clark” e “Souto”; Pedaços de coco conservados em água; Rádio de pilhas “Spica”; Footing em frete do Cinema São José; Vomitar em viagens; Noivado; Seriado no Cinema; Fotos instantâneas na rua; Óleo de fígado de Bacalhau; Vinho Reconstituinte “Silva Araújo”; Rum Creosotado; Óleo de rícino (purgante), etc…etc…etc…

As lembranças do passado ficam na memória da gente e não desaparecem.