O Bar da Yêda

Escrito por Antônio Santa Cruz Calvário (Tonico da Dona Minervina)

Na década de 50, e princípio da de 60, o Bar da Yêda foi um dos mais frequentados de Bicas. Funcionou durante muitos anos na Rua dos Operários, em frente as oficinas da Estrada de Ferro Leopoldina. Ficava ao lado da Farmácia Santa Maria, dos queridos farmacêuticos, Sr. Ivan de Castro e Sr. Pedro Dutra de Moraes. No local, hoje existe um dos prédios da Organização Fama.

Esse bar ficou na lembrança e deixou muita saudade. Uma de suas características, era manter um serviço de alto-falante, com grande potência, que ficava afixado na parte da frente do bar.

A Yêda usava o serviço para que os seus fregueses oferecessem músicas para os amigos, namorados, etc…. Até aí, tudo bem, mas…. como naquela época havia uma grande rivalidade entre os clubes de futebol, principalmente, entre o Esporte Clube Biquense e o Leopoldina Atlético Clube, sempre que havia uma partida entre os times. O clube vencedor pagava a Yêda para tocar, durante o dia seguinte ao jogo e durante toda a semana seguinte, uma música de gozação, que na sua letra dizia: “Estou doente, morena… Morena, estou doente… Cabeça inchada, morena…Tô e tô e tô”.   

Se o Leopoldina fosse o derrotado, o Esporte pagava para tocar a música para gozação dos operários das oficinas, que ficava em frente ao bar, e eram torcedores do clube, mas quando o Leopoldina ganhava do Esporte, pagava com a mesma moeda, e os torcedores do Esporte é que ficavam zoados… Ninguém tinha paz na redondeza.

Eu, que tinha uma loja próxima ao bar, qualquer que fosse o vencedor, não tinha sossego, ouvia a música mais de 300 vezes por dia e, à noite, ao deitar, ficava com ela na cabeça e custava dormir. Era uma tortura!

O nosso alívio foi quando o Joel Fonseca comprou o bar, anexou uma ótima padaria, e desativou o maldito serviço de som.

O camelô

Escrito por Antônio Santa Cruz Calvário (Tonico da Dona Minervina)

Em Bicas, como em outras cidades, sempre aportavam camelôs para venderem seus remédios que tudo curavam. Logo que chegavam na cidade, contratavam uma pessoa para ajuda-los nas mágicas, que normalmente faziam para atrair compradores para os seus produtos. Davam, também, algum dinheiro a duas ou três pessoas para que, assim que começassem a vender os remédios, eles serem os primeiros compradores com o objetivo de estimular e incentivar as vendas.

Em nossa cidade, quase sempre se instalavam na praça, em frente ao Bar Memphis, onde atualmente está o prédio da prefeitura, ou na pracinha entre a linha do trem e a Casa do Compadre, no início da rua Coronel Souza.

Como na época existiam poucas opções de divertimento, a chegada de um camelô era um sucesso. Juntava uma grande multidão à sua volta.

Habitualmente, eles eram chamados de “solta a cobra”, pelo motivo de sempre chegarem com uma caixa com uma enorme cobra, que se chamava “Dona Catarina”. Levavam, também, uma bolsa com um lagarto de nome: Dom Pascoal.

Eu me lembro que, juntamente, com outros meninos, permanecíamos no local do início ao fim da apresentação.

Em uma das seções, o camelô disse que durante a apresentação a Dona Catarina iria engolir o Dom Pascoal e que este também iria engolir a Dona Catarina e os dois iriam desaparecer, Ficamos observando o tempo todo e esse acontecimento não ocorreu.

Em outra apresentação, o camelô virou para o público e disse: “Agora eu vou soltar o Dom Pascoal e ele vai morder o pé de um menino que está sem cueca”. Nesse momento, vários meninos, eu não, e também alguns adultos, saíram de fininho; no entanto, o camelô disse: “Podem voltar que é brincadeira”.

Quase sempre os vendedores eram verdadeiros artistas que sabiam entreter as pessoas e sempre vendiam bem os seus remédios e, no fim, todos ficavam felizes e esperançosos pelo efeito dos medicamentos.

Dona Zenóbia

Escrito por Antônio Santa Cruz Calvário (Tonico da Dona Minervina)

Os alunos que passaram pelo Grupo Escolar Coronel Joaquim José de Souza, nas décadas de 40, 50 e 60, certamente, vão se lembrar da Dona Zenóbia, uma pessoa muito alegre e comunicativa, sempre com um sorriso no rosto. Ela era muito estimada pelos alunos, professoras e funcionários do grupo, pois sabia cativar a todos. Dona Zenóbia era solteira, tratava os alunos como se fossem seus filhos e, como cozinheira da  cantina, servia diariamente uma suculenta sopa.

Às sextas-feiras, além da sopa, ofertava um gostoso arroz doce. Para ter direito à sobremesa, o aluno tinha de contribuir para a Caixa Escolar, com a importância de 500 reis, equivalente a 50 centavos, na moeda atual. Caso o estudante não tivesse o dinheiro, podia contribuir com a entrega de um ovo.

Eu me lembro que não deixava de comer o arroz doce. Quando não dispunha do dinheiro, ia até a Estação da Estrada de Ferro Leopoldina, que sempre tinha engradados de galinhas aguardando a chegada do trem para serem despachadas para o Rio de Janeiro, e, com a ajuda de uma varinha, retirava um ovo e garantia a minha iguaria.

No entanto, Dona Zenóbia tinha um coração muito grande: se o aluno não tivesse o dinheiro ou o ovo, não deixava de lhe servir o arroz doce, sempre com um sorriso no rosto.

Dona Zenóbia deixou muita saudade para os alunos que tiveram a sorte de conhecê-la e que desfrutaram da sua amizade e do seu carinho.

Cine Theatro São José

Escrito por Antônio Santa Cruz Calvário (Tonico da Dona Minervina)

Para falar do saudoso “CINE THEATRO SÃO JOSÉ”, basta apenas dar uma volta no tempo e deixar-se ir pela imaginação para poder resgatar esta nostalgia, bem lá do fundo do túnel, para que possamos viver um pouquinho dessa fantástica fábrica de “faz de conta” que é, e que foi o nosso querido e inesquecível cinema de Bicas. Quanta lembrança nos traz os lindos momentos que o cinema de Bicas nos proporcionou. A televisão na época, anos 1960, era privilégio apenas dos bens sucedidos, financeiramente. Essa regalia ainda demorou por um bom tempo para chegar às casas dos menos favorecidos.

E, assim, eu como tantos outros da minha idade, fomos sem dúvidas os protagonistas dessa magia que era curtir um cineminha, desde as inesquecíveis matinês, aos domingos, às 10 horas, como também as sessões das 18h e 20h, quase sempre lotadas. Simplesmente, por que não havia outra diversão. O entusiasmo e as novas descobertas sempre falavam mais alto, quando chegava um enorme cartaz anunciando um filme novo… Despertava a nossa atenção, e ao passarmos em frente ao cinema, acompanhávamos o Chicão a fixar os cartazes, pregando com tachinhas nos quadros fixados nas paredes as fotos, onde se via estampadas algumas cenas dos filmes. Só isso já era gratificante! Estar ali, debruçado em uma das cancelas, vendo e acompanhando, passo a passo, o trabalho do Chicão, que também pintava faixas e cavaletes com propaganda dos filmes e os levava para serem afixados em locais de movimento de pessoas. O Chicão também trabalhava nas oficinas da Estrada de Ferro Leopoldina e, nas horas de folga, consertava os nossos fuscas.

Era realmente fantástico ver as longas e pesadas cortinas se abrirem dando lugar à imagem projetada na tela branca. A projeção era um trabalho do funcionário Gote (Iguatemi Índio do Brasil), que durante o dia trabalhava na Fábrica de Calçados Almirante. Antes do início, enquanto se esperava abrir as cortinas, ouvíamos músicas suaves, quase sempre uns boleros cantados por Gregório Barrios, Pedro Vargas e outros. Como era gostoso chegar atrasado, ao som do jornal esportivo do Canal 100, onde tínhamos a oportunidade de ver um trecho da partida de futebol entre Botafogo e Flamengo, realizada na semana anterior, e ter que procurar no escurinho do cinema, um lugarzinho vago, entre uma cadeira e outra, permanecendo sempre abaixado, para não atrapalhar os que ali já estavam com os olhos grudados na tela. Pois nem sempre o lanterninha se fazia presente para nos acompanhar até o suposto assento vago.

Os eternos apaixonados namoravam sem se preocupar com o que estava sendo exibido. Bastava um estalo de bolas de chicletes para que formasse um coro, de pedido de silêncio. Quanta lembrança nos traz os casais de namorados, onde reinava o cavalheirismo, comprando os ingressos com o Dalton Retto, com o Décio ou com o Duílio. Na portaria, recebendo os ingressos, estava o Sr. Chico Retto ou o Sr. Gentil de Almeida, sócios do cinema, muito gentis e cavalheiros, sempre acompanhados de um fiscal de menor que quando tinha um caso complicado, recorria ao Delegado, Bacharel José Maria Veiga, que em poucos minutos resolvia o problema e mandava colocar uma pedra em cima.

Uma hora antes do início das sessões, formava-se uma enorme fila para compra de ingressos, que se estendia mais ou menos até o casarão do Cel. Joaquim José de Souza, onde hoje, no local, está a agência do Banco do Brasil. Também se formava uma fila para a entrada no cinema. Todos que viveram essa época foram testemunhas dos movimentos de pessoas que ficavam transitando em frente ao cinema, num vai e vem, entre o jardim da igreja e a travessia da linha do trem, no início da Rua dos Operários, o famoso “footing”, onde, quase sempre começavam os namoros.

Essas eram as emoções de um tempo, que ficaram perdidas para sempre no seu próprio tempo, talvez na esperança de que um dia alguém possa reerguer um pouquinho desse nosso passado para a nossa querida cidade de Bicas, e por que não, sonho de alguns, poderem presenciar, mais uma vez, as antigas portas do nosso “CINE THEATRO SÃO JOSÉ” se abrirem novamente, nem que seja em outro local, pois o antigo imóvel, onde funcionava o cinema, foi demolido, porque, reverenciar ao nosso passado, é uma forma de agradecer a Deus pelo presente e nos reconciliarmos com nós mesmos, o nosso futuro!

Lembranças do passado

Escrito por Antônio Santa Cruz Calvário (Tonico da Dona Minervina)

Existem muitas coisas que, no espaço de tempo, mais ou menos uns cinquentas ou sessenta anos, sumiram do mapa. Exemplos: não se ouve mais falar em comer um pedaço de carumba como tira-gosto de uma pinguinha. Acho que pouca gente sabe o que é carumba, pois está em desuso. Para os que não sabem, a carumba consiste em uma massa de torresmo, prensado, até ficar quase completamente sem gordura…  Quase sempre tinha uma forma de um grande queijo, de onde vão se tirando as porções. É excelente tira-gosto para acompanhar o “traçado” (cachaça com vermute).

Como a carumba, existem muitas coisas que, no espaço de tempo, também, sumiram do mapa. Não se ouve falar mais: “Alpargatas Roda”; Chinelos de Liga; Camisa “Volta ao Mundo”; Sapato “Tank”; Sapato com contraforte; Solado de pneu; Meia sola; Capa e chapéu de “shantung”; Apito de barro em forma de passarinho; Pirulito no tabuleiro; Sorvetes em casquinhas brancas de polvilho; Caneta tinteiro; Mata borrão; Mimeógrafo a álcool; Gorro de meia; Casquete; Chapéu copa norte; Galocha; Guarda pó; Carroças de leite; de lixo; de pão; Garrafeiros; Vassoureiros; Amoladores ambulantes; Tocadores de realejo; Manivela de empinar papagaios; Bola de meia; Dedal; Ovo de madeira para se costurar meias; Ligas para segurar meias; Corte de cabelo “Principe Danilo”; Pinguim de geladeira; Bibelots; Tamancos de madeira; Diabolô; Bilboquê; Topete de cabelo; Travessa de cabelo; Pente de chifre; Pente “Flamengo”; Pente fino; Calça boca de sino; Balas com figurinhas; Enviar e receber cartas; Tostex; Bomba de fritz; Espelhinho de bolso com escudo do Flamengo e outros; Tinteiro sardinha; Goma arábica; Tinta “Guarany” para tingir roupas; Licoreiro; Enceradeira; Máquina de escrever; Escovão; Cera para dor de dentes; Bobs nos cabelos; Botões nas braguilhas das calças; Filtro “Fiel”; Mancebo; Penico; Caneca de esmalte; Talco “Johnson”; Pó de arroz; Pó compacto; “Ki- Suco”; Drops “Dulcora”; Balas Torino; Rachadores de lenhas; Desentupidores de chaminés; Parteiras; Benzedeiras; Vendedores de frangos no varal; Vendedores de peixes nas fieiras; “Biotônico Fontoura”; “Gumex”; “Mertiolate”; Óleo “Glostora”; Óleo de lavanda “Bourbon”; Brilhantina “Royal Briar”; Colonia “Lancaster”; Extrato “Dirce”; Perfume “Tabú”; Colonia “Cashmere Bouquet”; Óleo de Lima; Leite de Colônia; Creme dental ”Kolynos”; Baton Coty”; Brilhantina “Promessa”; Tintura “Márcia”; Papel almaço”; Papel manilha; Meias de Helanca; Sabonetes: “Eucalol”, “Gessy”, “Carin”, “Vale Quanto Pesa”, “Vinólia”,”Cinta Azul”, “Lifebuoy”, etc.; Cigarros “Yolanda”, “Elmo”, “Saratoga”; Piteiras”; Biscoitos “Gelco”; Cintos feitos de maços de cigarros vazios; Pasta de dentes “Odol”; Água de Colônia “Regina”; Soda “José Weiss”; Vinho de Jurubeba; Sorvete de Groselha; Sapatos: “Clark” e “Souto”; Pedaços de coco conservados em água; Rádio de pilhas “Spica”; Footing em frete do Cinema São José; Vomitar em viagens; Noivado; Seriado no Cinema; Fotos instantâneas na rua; Óleo de fígado de Bacalhau; Vinho Reconstituinte “Silva Araújo”; Rum Creosotado; Óleo de rícino (purgante), etc…etc…etc…

As lembranças do passado ficam na memória da gente e não desaparecem.

As divertidas viagens na perua do sr. Tonho

Escrito por Antônio Santa Cruz Calvário (Tonico da Dona Minervina)

Diariamente, menos aos domingos, o sr. Tonho, fundador da Viação Santos, por volta das 6h30 da manhã, estacionava a sua perua em frente ao Bar do Embrulhão, e enquanto aguardava a hora da partida para Juiz de Fora, às 7h15, assentava em uma das mesas do bar, e enquanto tomava um cafezinho, juntamente, com o Embrulhão, e alguns passageiros, contavam piadas que, de longe, ouvíamos às gargalhadas. Os passageiros que iam chegando também assentavam em mesas e participavam das piadas. Por volta das 7h, o sr. Tonho  pedia ao trocador para colocar as bagagens dos passageiros no bagageiro, que era acessado por uma  escada que ficava na parte de trás da perua. Logo em seguida, o sr. Tonho solicitava aos passageiros a tomarem seus lugares, pois já ia dar a partida. Logo ao sair, o trocador cobrava as passagens dos que não haviam feito no Embrulhão. 

Após a partida, o sr. Tonho ligava o rádio Motorola, que tinha um alto-falante grande afixado em cima do para brisa. Ouvíamos as primeiras notícias do dia, sempre com os comentários do sr. Tonho, além das piadas, é claro. A perua, quase sempre lotada, possuía 20 e poucos assentos e era permitido a viagem de mais ou menos quinze passageiros em pé. Pegava e deixava gente em quase todas as entradas das fazendas, entre Bicas e Juiz de Fora. A condução chegava por volta de 9h30 a Juiz de Fora e o retorno se dava às 15h45, regressando a Bicas, mais ou menos, às 18h.

Em uma das viagens, cedi o meu lugar para um senhor idoso que estava em pé, pois na época eu era jovem. Em uma das primeiras paradas, entrou uma moça com uma criança no colo coberta com uma manta. Um senhor que estava sentado em uma poltrona na frente gentilmente cedeu o lugar para a moça; tudo bem, mas ao chegar perto de um ponto em Retiro, a moça pediu a um passageiro para puxar a cordinha que ela ia descer. Ao sair, a manta agarrou na poltrona e descobriu-se que era um filhote de cachorro que ela estava levando enrolado. O sr. que cedeu o lugar para ela ficou furioso, esculhambou a moça e foi resmungando até Juiz de Fora.

Em uma outra viagem, entre os passageiros, encontrava-se o gerente do Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais, da época… Homem simples e muito estimado na nossa cidade. Lá pelo meio da viagem, o gerente disse que estava com uma tremenda dor de barriga, foi até o sr. Tonho e o pediu que parasse a perua, pois precisava dar uma descarregada. Atendendo ao pedido, o sr. Tonho encostou e parou o veículo. O gerente desceu, foi para trás da perua e resolveu o problema. Aliado, veio segurando as calças, chegou na porta da perua e, olhando para os passageiros perguntou: alguém tem um papel para me “emprestar”.

Como eram divertidas as viagens para Juiz de Fora na perua do Sr. Tonho.