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Pautada a sua coluna com “causos” e lembranças de nossa Querida Bicas, somos por vezes instados a revisitar o nosso baú de divertidas e saudáveis memórias.

Dotado de prodigiosa memória, competente e habilidoso com as palavras, enriquece com maestria o conteúdo de nosso O MUNICÍPIO.

Recentemente, gratificou-nos imensamente por destacar qualidades e a alegria de viver de minha saudosa Mãe (“ALMA DE PASSARINHO“).

Ao Escritor Vasco Teixeira, agradecemos sensibilizadamente,

Benigno Costa Correa e Silva, de JF

Ao contemporâneo Tião, um grande abraço do Beniguinho 

Envelhecer

Pedro Nava deu fim na sua vida aos 80 anos, com um tiro no ouvido. Helio Silva, ateu a vida inteira, quando chegou aos 90 anos foi se exilar num mosteiro se sentindo um pecador e só saiu de lá no caixão.

Elizeth Cardoso era do signo de câncer, tinha ojeriza a esse nome e morreu vítima do mesmo, aos 69 anos. Rita Hayworth suicidou-se aos 68 anos, por não querer envelhecer…

Chacrinha adorava a vida e nunca deu bola para a idade: morreu velho e feliz. Dona Canô passou dos 100 anos contente da vida e querendo viver ainda mais. Cartola tinha mais de 70 anos e se dizia uma criança…

Provavelmente, o envelhecimento deve estar ligado principalmente aos nossos desejos. Cada um a sua maneira quer vida longa, saudável e feliz. Porém, os desejos podem acabar nos distanciando daquilo que é uma vida ideal.

Simplicidade está sempre na lista de viver bem, mas as facilidades, às vezes, nos afastam desse quesito em troca das demandas reprimidas acumuladas durante a nossa caminhada.

Velório na Rua do Bonde

Bandulaque passou distribuindo aquele convite para mais um enterro. Ronaldo foi lá e pegou um… Zé Cueca olhou e sentenciou: “Esse vai dar pé”. – Onde, perguntou o Im. – Rua do Bonde, respondeu o Zé. Nós fazíamos a triagem dos velórios, desde quando não fosse nosso parente no caixão.

Precisávamos de ocupação noturna sempre, e velório era um bom item para passarmos o tempo. Depois da sessão de cinema, fomos parar lá na Rua do Bonde…

Respeitosamente, entramos e acompanhamos o terço, mas de olho no café com leite, broa, brevidade e biscoito de polvilho… sempre servidos a noite inteira. Não deu outra… A cozinha estava mais movimentada que a praça aos sábados.

Pexano estava num canto segurando uma caneca de esmalte saindo fumaça e na outra mão, um naco de broa daqueles. Vez por outra, Alvaro contava uma piadinha para espantar o sono… Maninho lacrimejou perto do caixão. Zé Augusto viu e deu uma olhada daquelas, que ele logo enxugou as lágrimas.

Quase clareando, Helinho foi acordado com um safanãozinho e fomos embora. No caminho, Pininho reclamou dizendo que só tomou um cafezinho e que da próxima vez iria ficar mais perto da mesa… Bicas com lágrimas de crocodilo.

Serenata pro meu brotinho

Eu estava indo para o Estadual com meus colegas, quando uma amiga do meu brotinho me parou e me entregou um bilhetinho. Alvaro, muito esperto, brincou, “Xi… lá vem dor de cotovelo de novo”. Maurício Vidon foi mais enfático: “Pé no traseiro”. Coloquei o papelzinho no bolso e me fechei. Até a portaria, foi só gozação.

Durante a aula de Moral e Cívica, do prof. Aníbal, tirei discretamente o bilhetinho e comecei a ler. Para o meu alívio, meu brotinho estava é com saudades das serenatas, pois já havia passado mais de mês e nada…

Já existia naquela época o som da madrugada com vinil na vitrola. A parada técnica foi por causa de um desacordo empresarial. Minha irmã que emprestava a vitrola portátil queria que nós pagássemos o estrago que foi de nossa culpa, mas todo mundo duro e fomos enrolando…

Depois da aula, Im me disse que também recebeu um bilhetinho parecido… Demos um jeito, fizemos uma vaquinha e fomos ao Fenelon, pagamos e retiramos nosso instrumento de trabalho noturno e acertamos os ponteiros com minha irmã.

Mandei um recado pro brotinho, dizendo que sexta-feira estaríamos de volta. No dia, encontrei com ela. Foi quando me falou que, debaixo do alpendre, atrás do vaso de antúrio, teria uma surpresa pra nós. Cinzano, Vodka e salgadinhos. O repertório foi caprichado: Run to me, Yesterday, The end, Carinhoso e tantas outras…. Bicas na seresta.

Alma de passarinho

Com uma atividade intensa no intuito de ajudar a sociedade e, principalmente, as moças e senhoras de sua época, Dona Beatriz, quando solteira, dava aulas no Ginásio Francisco Peres de educação artística, preparou muitas noivas para o casamento, ensinou trabalhos manuais e canto orfeônico.

Quando se casou, priorizou a família na educação dos filhos, mas não abriu mão do coral da igreja… Aos domingos, invariavelmente, saía de sua casa e era aquela via sacra até a Igreja Matriz.

Por ser uma pessoa muito querida, ganhava beijos, abraços e sorrisos que não acabavam mais. Com sua elegância discreta e sempre com um terço na mão, ia indo, até finalmente chegar.

Nesse momento, o padre soltava suspiros de alívio, pois sabia que teria mais uma missa com o acompanhamento impecável do órgão da mestra. Esse trabalho voluntário deu a Dona Beatriz respeito e consideração por todos os biquenses que tiveram o prazer de conviver com essa pessoa de espírito leve.

Nessa época, os valores eram disseminados não só pela família, mas também por homens e mulheres voluntários, tanto nas religiões, como em outras instituições que tinham preocupações com a sociedade. Ela sabia fazer isso muito bem… Bicas cândida.

Retto Junior

Eu fiz parte de uma das primeiras turmas de alunos e do Retto Junior. Acho que esta foi a segunda escola de ensino fundamental pública da terrinha. Engraçado que eu morava atrás do Cel. Souza e não sei que por qual razão, eu fui parar numa escola bem distante.

Não só eu, mas vários colegas que moravam por ali perto de mim. Fiz o 3º e 4º anos lá. Acabei me acostumando e gostando da caminhada matinal. Hoje vi uma postagem da atual diretora que saudava com satisfação os 60 anos dessa escola que alfabetizou muitas gerações.

Me lembro de Dona Marlene Garcia Passos e da dona Marília, como minhas professoras. Se não me engano, Dona Ernestina era a diretora… No recreio, nós brincávamos na rua de terra e voltávamos para as salas empoeirados.

A escola ainda estava se estruturando. Nas fotografias, vejo com satisfação a rua calçada e o prédio bem cuidado. Deixo aqui meus parabéns a esta escola que me ensinou o beabá com esmero e carinho. Que venham outros 60 anos… Bicas crescendo.

  • Publicado no Facebook do colunista, em 01/07/2020