Um causo à parte / Memórias

A volta do ferroviário

Zé D’Onofre, maquinista da Maria Fumaça, chegou na Estação Ferroviária, depois de quase uma semana viajando e, com o guarda pó cheio de fuligem, resolveu, antes de ir para casa, dar uma passadinha no bar do Sr. Arlindo, para tirar a poeira da garganta. Afinal, ninguém é de ferro.

O botequim ficava em frente à Praça dos Aposentados. Tomou todas e foi cambaleante, descendo a Rua José Soares, em direção à Rua do Brejo, com sua capa que ia até o chão e um balaio contendo moringa, cobertor e outros apetrechos…. cantarolando: “Viva o doutor Oliveira/Viva o doutor Oliveira”.

Parou e encostou no poste que ficava em frente ao campinho e, sem nenhuma cerimônia, tirou a água do joelho. Olhou para nós e disse: “Vocês sabiam que a única fêmea mais bonita que o macho é a mulher? Pois é, e eu que tenho lá em casa aquele tribufu, não tive sorte, e é por isso que bebo…”

Chegou na ponte e fez um discurso para o córrego. Bastante dominado pelo alto teor etílico, passou perto da casa da Durica e gritou: “Antônio Moraes, herói brasileiro, defendeu o Brasil na Itália, merece uma estátua”. Já subindo a Necésio Silva, fez elogios ao Sr. Otto.

E, finalmente, chegou em casa gritando palavrões e fazendo gestos obscenos. “É aqui Geralda, hoje você me paga”. Geralda recolhe suas coisas e puxa-o para dentro. Depois da ressaca, nosso ferroviário, não se lembrava de nada…

Bicas aos goles!

Um causo à parte / Memórias

Lá vem o trem

Um dia qualquer nos tempos idos, nossa Estação Ferroviária parecia um formigueiro, de tanta gente. Antes da chegada do “Expresso ou do Misto”, que coincidia com o horário de pico, era muito gostoso sentir a pujança de nossa querida Bicas.

Na ponta esquerda da Estação, estava o Sr. Nicolino contando mais uma de suas mentiras para o Balanga e o Ciro Malaquias, que fingiam acreditar. Do lado direito da plataforma, tinha o cafezinho da Dona Guiomar, com seus quitutes deliciosos. No balcão, saboreando um bolo de fubá, enquanto esperava o trem, João Marques com o carrinho para levar as correspondências dos Correios.

A Maria Fumaça apontou lá perto da Casa do Compadre, e o burburinho foi se formando. Nessa hora, o Sr. Antônio Marques, com seu uniforme caqui e quepe vermelho, chamava a atenção do Abrantes para não esquecer de verificar se a carga que ia para Pequeri estava certa.

Gente se movimentando com as passagens nas mãos… Zé do Onofre colocando seu guarda-pó para seguir viagem…

Bicas agitadíssima!

Um causo à parte / Memórias

Para não dizer que não falei das flores

Minha mãe tinha acabado de arrumar o almoço do meu pai e disse com firmeza: “Um pé lá, outro cá!!! Hoje o dia não é para criança”.

Peguei a bolsa e fui fazer o de sempre. Não entendi direito o recardo, mas desci a Rua do Brejo, passei pela José Soares e cheguei na esquina da Barão de Catas Altas.

Notei que o clima não estava bom. Waltencir, dentro da farmácia, com cara de poucos amigos. Amado na porta do armazém apreensivo fumava um cigarro, sem charme nenhum. Cheguei na barbearia, meu pai foi logo me dizendo: “Volte pra casa direto”.

Mas, eu, criança curiosa, não deixei ficar em branco. Vi o Sr. Michel na porta da loja… Ele estava mastigando a ponta do charuto. Parei em frente à Estação Ferroviária e vi o motivo de toda a preocupação: tanques do Exército cercando tudo. Foi a primeira vez que vi uma metralhadora de verdade.

Sr. Jorge Sarto, que estava passando, pegou-me pelo braço e mandou eu ir para casa… Com medo fui correndo e quando virei a esquina, ouvi uns versos num rádio de alguém: “Há soldados armados amados ou não”. Era abril de 1964…

Nossa Bicas sisuda…

Um causo à parte / Memórias

Lá vem a Sapolândia

Irineu Garibaldi, Antônio Lamha, Sheila Salomão e Jorge Mossoró

Domingo de Carnaval, à tarde, em frente o Barra Limpa, estava aquela coisa… Um bloco? Uma banda? Não sabia direito, mas com certeza, uma turma muito animada…

A Sapolândia, certamente, era uma anarquia, que nos fazia dar boas risadas. Mossoró com seu fraque e cuecas de bolinhas, era o maestro com toda a pompa regendo uma orquestra de malucos por diversão…

Os instrumentos eram improvisados (latas, tubos de borrachas com penicos na ponta, violão sem cordas e mais outros objetos indecifráveis).

As calçadas cheias de gente já rindo dos personagens antes do desfile começar. Patesco, com sua minissaia curtíssima, rebolava na boquinha da garrafa e quando achava um descuidado gritava no seu ouvido: “Oh Munha!!!”. Sá Onça encarnava o retratista “Medo Onça” e com seu tripé tirava fotos, que na verdade eram uma explosão que enfumaçava tudo.

Tinha também o impagável repórter da rádio PR KPETA, Mazzaropi, que fingindo entrevistar, dava o microfone para alguns e quando a pessoa ia falar, levava um choque elétrico e soavam mais gargalhadas…

Passa a Sapolândia com aquele som estridente deixando risos e saudades no coração da gente…

Bicas sapeando!

Na Banca do Padula

Na Banca do Padula

Peguei meu álbum de figurinhas e fui para a banca de revistas. Logo avistei uns moleques jogando “Poupinha” na beira da calçada.

No outro lado da rua, no ponto de táxi, Alvino Novaes lia o Jornal dos Sports. Ouvi quando Balanga perguntou se o Amarildo ia jogar contra o Vasco.

Encostado no poste em frente ao Tabuleiro da Baiana, Manoel Soares discutia política com o Zé Vieira. Bilucha voltava para casa com o jornal enrolado debaixo do braço…

Entrei, pedi dez pacotinhos de figurinhas. Quem me atendeu foi a Ione. Como sempre sorridente, me deixou escolher. Vivinha falou pra todo mundo ouvir: “Marta Rocha de novo na capa do Cruzeiro?”.

Zé Padula muito sacana brincou: “Você prefere ela ou a Tamanquinha?”. Eneida atendia dona Margot, que queria algo sobre tricô… Quando eu estava saindo, Betinho pediu para que eu abrisse os pacotes, se tivesse alguma repetida poderíamos trocar. Foi minha sorte, tirei uma carimbada.

Sargento Adão viu e me ofereceu dez pacotes em troca. Era a que faltava pra ele ganhar uma enceradeira. Entreguei por trinta. Ele colou ali mesmo, vi a página completa do álbum do Sargento, e ele dando risada…

Bicas sortuda.

Rotina da Rua do Brejo

Rotina da Rua do Brejo

Desci as escadas da minha casa para ir à escola, enquanto esperava o Zé Geraldo. Minha mãe perguntou da janela se eu havia escovado os dentes.

Sr. Ismael passou com seus tamancos barulhentos… toc toc toc… indo às pressas abrir o portão da cooperativa, porque o Sr. Horácio Machado já estava esperando, com sua famosa caminhonete, para descarregar o leite.

Nelson Novaes tentando com uma manivela fazer o caminhão funcionar para mais uma viagem… talvez pro Rio.

Zé chegou e fomos indo. D. Maria, do Sr. Martins, recolhi o pão, bem embrulhadinho, junto com a garrafa de leite que o padeiro acabara de deixar. Na esquina da rua do ginásio, Sr. Cesário varria sua calçada.

Bem em frente ao prédio do Grupo, Sr. Edson Pena tratava dos seus pássaros. Chegamos até a entrada da escola, e dona Noêmia nos deu um “Bom dia”, com muito carinho e elegância…

Bicas acordando!