Um causo à parte / Memórias / Dançando quadrilha

O MUNICÍPIO está recordando os pitorescos contos do livro “Bicas, um causo à parte”, do saudoso Vasco Teixeira, prestigiado ex-colunista do jornal. Um biquense que também fez história nas cidades de São José dos Campos (SP) e Paraisópolis (MG), onde estava radicado. O Tiãozinho da Rua do Brejo era multifacetado: metalúrgico, político, cronista, escritor, artista plástico e mais.

Dançando quadrilha

Quando fui transferido para o Grupo Retto Junior, no meio do ano, me convidaram para dançar quadrilha. Meio sem jeito, relutei, mas depois que soube que meu par seria a Ângela, não pensei duas vezes e aceitei.

Nos ensaios, o que eu mais gostava, era quando ela me dava o braço. A marcação da dança, naquela época, era em francês e eu achava muito chique… “Anarriê”, “Alavantu” e “Balancê”, estas palavras nunca saíram da minha cabeça.

No dia da apresentação oficial, todos nós vestidos a caráter, nervosos e a escola cheia. Era pura emoção. Todos bem ensaiadinhos, fizemos o dever de casa… Muitos aplausos e
abraços.

Dava pra ver, no meio de toda aquela parafernália, nossa diretora, Dona Ernestina com
um sorriso de orelha a orelha. Ah se tivesse selfies naquele tempo!

Bicas juninamente.

Um causo à parte / Memórias / A alma do negócio

A alma do negócio

Desde quando inventaram o dinheiro, o homem vem usando a criatividade para captá-lo. Zé Longo tinha um bar perto da Estação, vizinho do Açougue do Lourinho. O negócio andava meio borocoxô e precisava de uma injeção de ânimo, pois só tinha movimento de moscas…

Ele que era um marqueteiro nato, resolveu mudar seu espaço interno… Colou no teto rótulos de bebidas, colocou uma estufa para conservar os salgadinhos de ontem e, principalmente, afixou uma lista com os nomes dos bêbados, com a data de seus óbitos…

Aquilo logo causou um alvoroço. Nós, curiosos, íamos lá: “Cheiroso”, morte até junho; “Mário Lobisomem”, não passa de setembro; “Valdevino”, a qualquer momento. Não me lembro se a lista acertou algum prognóstico…

E assim, o bar aumentou a frequência e também o faturamento. Os citados na lista ficaram uma fera, mas como naquela época não existia a baboseira do politicamente correto, ficou o dito pelo não dito.

Zé Longo com seus olhos claros, sorriso rotineiro e humor esquisito, nos deu uma aula de como aumentar as vendas…

Bicas surfando na onda!

Um causo à parte / Memórias / Adoçando nossas vidas

Adoçando nossas vidas

Um dia nossa turma foi jogar uma pelada lá na Reta, indo pela linha do trem.

Quando estávamos passando por trás do cinema, avistamos uma cena rotineira, mas que nos chamou a atenção: Biba e mais duas outras pessoas retiravam de dentro de casa, com muito cuidado, um bolo enorme de três andares, com um casal lá em cima, abraçadinhos.

Era mais uma obra da famosa dona Geralda, sem dúvidas, uma das maiores confeiteiras que Bicas já teve.

Ela, atenta na varanda, dizia: “Cuidado, a mãe da noiva já está esperando”. Véio comentou: “Quem será que vai casar?” Ninguém respondeu. Nossa doceira era muito requisitada. Por trás de sua fama estava uma excelente profissional, dedicada e com mãos de fada.

Naquela época, era praticamente impossível uma grande festa em Bicas, que não tivesse um docinho, sequer, sem a marca dela. Geralda tinha até equipe de apoio.

Um dia conheci seu ambiente de trabalho. Havia uma mesa enorme com liquidificadores e batedeiras, além de um monte de colheres de pau. Dona de um sorriso escancarado, ela adoçou nossas vidas por um longo período…

Bicas docinha!

Um causo à parte / Memórias / Malhação

Malhação

A molecada ficava em polvorosa quando chegava o sábado de aleluia. Era bonito ver a participação da criançada. Cada um arranjava uma maneira de ajudar na confecção do Judas… Uns iam pegar capim para encher a camisa e calça, dando forma ao corpo. Uma bola de borracha pintada com boca, nariz e olhos caracterizava a cabeça, que também tinha um chapéu de palha preso em cima.

Tudo isso encaixado no colarinho da camisa xadrez. Um par de sapatos velhos amarrado na boca da calça completava o manequim. Alguns moleques compravam as bombinhas no Sr. Listote e preparavam o material bélico que ia dentro do Judas, que nesse momento já existia fisicamente…

Assim, à tarde, o danado do traidor já estava pendurado naquele poste feito de trilhos de trem, que ficava bem na esquina da rua do Brejo… Chegada a hora, nós, juntos com alguns coroas, todos armados com varas, batíamos sem dó no malvado traidor.

Quando ele finalmente caia, saíamos puxando aquele traste pelas ruas empoeiras até colocar fogo em seu corpo… Aí vinha o melhor da festa: eram bombinhas estourando juntas com umas cabeças de nego, até chegar a hora do busca-pé.

Aquele trem saia como um raio atrás de nós soltando faísca pra todo lado… Tinha moleque que até pulava dentro do córrego para se livrar das faíscas brilhantes. Enfim, o Judas virava pó, e nós, suados de tanto divertimento, fechávamos mais uma Semana Santa… Bicas empírica.

Um causo à parte / Memórias / Tesoura voadora

Tesoura voadora

Nossa rua era muito antenada. Armamos um ringue com quatro estacas amarradas com corda de bacalhau e deixamos tudo pronto para o “telecatch”…

O juiz tinha que ser um moleque mais velho e honesto. Cachaço era da nossa idade, porém grande e forte, o danado batia em todo mundo. Paulo da Durica tentou dar uma tesoura voadora nele e ficou pela metade… suas pernas ficaram presas em seu pescoço.

Cachaço aproveitou e aplicou-lhe um golpe encostando suas costas no chão;  assim, ganhando mais uma luta…

Passamos um bom período com essa brincadeira meio pesada, que era fruto de um programa de televisão dos anos 60, que virou febre nacional. Quem é daquele tempo se lembra com facilidade de Ted Boy Marino, Tigre Paraguaio, Verdugo, Rasputin e muitos outros…

Eu ia no Bar do Agostinho todos os sábados assistir às lutas. Esse sucesso se deveu, principalmente, à popularização da televisão e à teatralidade das lutas.

Era o bem contra o mal. Teve lutador que virou ídolo e fez carreira longa na tevê. Eu apanhava, mas me divertia no campinho da Rua do Brejo…

Bicas engalfinhada.

Um causo à parte / Memórias / De conversa em conversa

De conversa em conversa

Acabara de engraxar os sapatos do Sr. Nelson Ramos, quando meu pai que também terminara de barbear mais um freguês… Foi quando o Sr. Alípio barbeiro comentou: “Puxa, João, você está com as mãos de seda, pois o freguês sentou-se na cadeira e dormiu o tempo todo”.

Meu pai deu um sorriso de agradecimento. Sr. Michel não deixou passar e fuzilou: “Mão de seda nada, esse molenga que saiu é que é um dorminhoco e não vale nada. Imaginem vocês, ele tem uma morena danada de fogosa em casa e só tem dois filhos. Vai ver que dorme a noite toda…”

Meu pai tirou do bolso uma nota de vinte cruzeiros e pediu para eu ir trocar. Percebi que a conversa não era para crianças… Cheguei no armazém do Sr. Orlando de Freitas, pedi para trocar o dinheiro. Ele também estava cochilando e sem abrir os olhos disse que não tinha troco. No Bar do Valentim, finalmente consegui…

Quando entrei na barbearia de volta, quem estava na berlinda era JK por querer mudar a Capital para Brasília…

Bicas com a língua afiada!