A chacina do Guarará

Escrito por Antônio Santa Cruz Calvário
(Tonico da Dona Minervina)

Rua Capitão Gervásio, vendo-se a Capela São Sebastião, ao fundo – Foto: Amarildo Mayrink

Em novembro de 1900, Guarará passou a ter como seu chefe político o jornalista Afonso Leite, que havia aportado na cidade, em julho de 1.898, sessenta e três anos antes de se ver envolvido na chamada “Chacina do Guarará”, por um crime do qual não participou, mas foi vítima da inescrupulosa trama engendrada por seus inimigos políticos, comandados por um Juiz de Direito desonesto.

Antes da tragédia de 15 de maio de 1960, jamais Guarará foi palco de qualquer acontecimento sangrento que pudesse macular o prestígio da comunidade de um povo ordeiro, pacífico e sempre vivendo em paz e harmonia até a publicação do Ato do Governador Bias Fortes, removendo para Guarará o Juiz de Direito da Comarca de Monte Belo, Dr. Isoldino da Silva Júnior, de personalidade não muito bem acatada, devido ao seu modo de proceder, sendo empossado nos últimos meses de 1.957. Um juiz mais político e menos juiz, marcado pela insensatez de seus atos.

No comando da política, insurgiu-se o juiz contra o tradicional chefe e ex-prefeito do município, Afonso Leite, e com ele vivia “às turras”, perseguindo seus amigos e correligionários, processando abusivamente muito deles, inclusive um Coletor da Fazenda Estadual.

A sociedade de Guarará vivia em sobressaltos e temerosa das arbitrariedades praticadas pelo desastrado e odiado magistrado, pelas piores ações cometidas contra os cidadãos da comuna que não rezavam na sua cartilha.

Em face de o juiz ter sido derrotado nas eleições de outubro de 1.958, desvestindo-se da toga, vestiu a roupagem de político sem pudor. Dominado pelo ódio e autoritarismo desenfreado, passou a atirar os munícipes uns contra os outros, por meio de ameaças, intrigas, calúnia e infâmias, acabando de se incompatibilizar com quase a totalidade da população guararense.

Assim começou a tragédia

Era conhecida a decisão o Egrégio Tribunal de Justiça, que havia punido o juiz Isoldino, por duas sérias infrações no exercício do seu cargo. Visando demonstrar o respeito ao povo de Guarará que o Poder Público Municipal, por seus representantes mais legítimos, não descurava na procura dos meios legais para afastar da comarca o indesejado juiz, que vinha perturbando a paz e a tranquilidade da vida municipal, o prefeito, vice-prefeito e o Presidente de Câmara Municipal publicaram um folhetim intitulado “Sem Comentários” em que as três autoridades municipais apenas transcreveram “ipsis verbis” duas Certidões extraídas da Corregedoria de Justiça condenando a pessoa do juiz Isoldino pelos fatos ocorridos.

Quando tomou conhecimento da existência dos boletins, que já estavam sendo espalhados pela cidade, o juiz e sua mulher traçaram um plano diabólico contra a vida do coronel Afonso Leite e disseram que tinha a sua disposição cinquenta homens para efetuar a tarefa ordenada, pois teriam que acabar com aqueles folhetins na cidade, mesmo que fosse necessário correr sangue.

Na manhã do dia 15 de maio de 1960, o coronel foi avisado que a dona Elizabeth, esposa do juiz, dizer que dispunha de 50 homens para atacar sua casa às 17h30. O coronel tomou providências com as autoridades (prefeito, delegado de Polícia etc). O delegado, como medida preventiva, determinou que o Destacamento Policial montasse Guarda na Praça do Divino, em frente à residência do coronel, a partir das 12h daquele dia. Um dos capangas do juiz dizia que aquele seria o “último dia vida do coronel Afonso Leite, pois a sua casa seria atacada pelo dr. Isoldino e seus capangas. Ao aproximar-se a hora marcada, ou seja, aos dezessete e trinta minutos, um após outro vinha e se colocava em frente ao Bar do sr. José Abrahão, ao lado da Rua Tiradentes, e em frente à casa do coronel, os demais, trinta ou quarenta dos asseclas do juiz, vinham com ele e sua esposa no tempo oportunamente combinado.

Informados de que o sr. Afonso e seus amigos estavam no referido bar, armados com revolveres e facas. Um dos capangas do juiz saca de uma faca e fere o prefeito, sr. Marcos de Souza Rezende pelas costas. Felizmente não foi muito grave e ele se recuperou. Daí para frente, começou o tiroteio, que só terminou quando acabaram todas as munições e teve como resultado a morte do juiz Isoldino, de sua esposa, Dona Elizabeth e de um capanga do juiz, de nome José Arcanjo. Doze pessoas foram feridas à bala ou com arma branca (faca). O delegado já havia se comunicado com os seus superiores, isolado os cadáveres e providenciado socorro aos feridos.

Do processo

O juiz da pronúncia, depois de discorrer, a seu jeito, sobre a atuação de cada um dos denunciados, sempre no diapasão do relatório oferecido pelo delegado do inquérito, e acatando o entendimento da denúncia do MP, o julgador pronunciou os denunciados, transferindo, como de lei, o julgamento a ser proferido pelo Tribunal do Juri da Comarca de Juiz de Fora, de competência legal, deferida para decidir o caso em espécie. No primeiro julgamento, em 20/2/1961, os acusados foram condenados com penas rigorosas: 1 réu a 36 anos de reclusão, 1 a 27 anos, 3 a 19 anos, 1 a 10 anos e 1 a 7 anos de reclusão.

A defesa, para lograr um julgamento imune de paixões interessadas, não vacilou em impetrar à Instancia Superior os recursos legalmente admissíveis. O primeiro julgamento do Primeiro Juri foi anulado, em razão de irregularidades cometidas pelos jurados. Obstinadamente, a acusação sempre apelou das absolvições de qualquer dos réus, nos diferentes julgamentos a que foram submetidos. Essa novela se desdobrou em tantos capítulos, que teve a duração de sete anos consecutivos, desde o dia 20 de fevereiro de 1960, quando foi realizado o primeiro Júri, até a data de 11 de maio de 1967, que ficou marcada, historicamente, pelo reconhecimento da inocência dos réus, sem mais apelo, da existência de um Direito conspurcado desde a primeira hora pelos verdadeiros destruidores da imagem da Justiça.

A providência Divina, que a tudo assiste, e é mais pura e solidária do que a inconfiável Justiça dos homens, abriu para aqueles réus a estrada larga da compreensão e da sabedoria para que os injustiçados obtivessem a recuperação de uma liberdade por mais de seis anos perdida, e que havia sido produzida pela maledicência do despeito, da desfaçatez e da ambição política, que via de regra não tem limite na sua atuação e que nunca é proveitosa para a própria sociedade. Que o exemplo fique para aqueles que, servidores ou não da Justiça, possam aproveitar.
Obs.: Por uma questão de respeito não mencionei os nomes dos réus.