Uma em cada quatro mulheres não tem acesso a absorventes no Brasil

Em Juiz de Fora, iniciativas buscam mudar essa realidade; projeto de lei prevê distribuição gratuita de absorventes

Por Nayara Zanetti, estagiária sob supervisão do editor Eduardo Valente
13/06/2021 às 07h00

A pobreza menstrual é uma realidade que impacta a vida de milhares de meninas e mulheres não só no Brasil, mas no mundo todo. O termo se refere à ausência de acesso a recursos que garantem a higiene básica dessa parcela da população. Uma em cada 4 brasileiras não tem acesso a absorventes, aponta o relatório Livre para Menstruar, realizado pelo movimento Girl Up – uma iniciativa global da Fundação das Nações Unidas que busca promover a igualdade de gênero -, em parceria com a empresa Herself. As causas dessa problemática estão relacionadas com questões financeiras, saneamento básico e desinformação a respeito da menstruação.

Um processo natural do corpo, a menstruação ainda é cercada por diversos tabus. Com base no estudo, no Brasil cerca de 60 milhões de mulheres e meninas têm o ciclo ativo, o que equivale a 30% da população do país. A professora e doutora em Ginecologia da Faculdade de Medicina da UFJF, Denise Drumond, descreve os fatores ligados a este fenômeno.

“A pobreza menstrual está intimamente relacionada à falta de acesso aos cuidados da higiene menstrual como: absorventes descartáveis, absorventes de tecido reutilizáveis, coletores menstruais descartáveis ou reutilizáveis, calcinhas menstruais, papel higiênico e sabonete. Inacessibilidade a água encanada, esgotamento sanitário e coleta de lixo. Dificuldade para obtenção de medicamentos para problemas menstruais e conhecimento limitado sobre as questões que envolvem o conhecimento do próprio corpo. Essa temática envolve questões ligadas à economia de um país, assim como sua educação e saúde”.

“Muitas mulheres improvisam a contenção do sangue menstrual com pedaços de pano usados, roupas velhas, jornal e até miolo de pão” Denise Drumond

Segundo a ginecologista, muitas mulheres na ausência de produtos menstruais acabam usando outros materiais, correndo o risco de desenvolver doenças. “Podem ocorrer alergias quando são usados jornais, por exemplo. Além de infecções genitais e até infecções mais graves. Além de inúmeras limitações e constrangimentos, suscetíveis a comprometimentos físicos e emocionais a curto e longo prazo. Muitas mulheres improvisam a contenção do sangue menstrual com pedaços de pano usados, roupas velhas, jornal e até miolo de pão”, explica Denise.

Contas públicas

Em 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu o direito das mulheres à higiene menstrual como uma questão de saúde pública e de direitos humanos. Porém, o Brasil enfrenta uma carência na criação de ações públicas que garantam assistência a essa população.

O estudo Livre para Menstruar faz parte da campanha batizada com o mesmo nome, que vem mobilizando estados brasileiros a desenvolverem políticas públicas que possam contribuir com a causa.

Em Minas Gerais, o movimento Absorve Minas atua promovendo ações para a aprovação do Projeto de Lei (PL) 1428/20 que prevê a distribuição gratuita de absorventes na rede pública estadual de ensino, nas unidades básicas de saúde, e nas unidades prisionais em âmbito estadual. No momento, o projeto foi aprovado no primeiro turno, mas ainda passará por uma segunda votação para que a medida seja efetivada.

A vereadora Laiz Perrut (PT), em conjunto com a vereadora Cida Oliveira (PT), protocolou no dia 2 de junho um PL que tem o objetivo de garantir a distribuição gratuita de absorventes para meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade em Juiz de Fora. “Imagina não ter um item que é tão básico para nós mulheres? A nossa expectativa é que esse projeto seja aprovado e garanta o acesso das mulheres a esses itens com rapidez e descrição”, afirma Laiz.

De acordo com ela, o intuito do projeto é disponibilizar os materiais nas escolas e nas UBS, já que esses locais são de fácil acesso ou até mesmo os únicos equipamentos públicos em alguns bairros. “Juiz de Fora não é uma cidade isolada do cenário nacional, nós podemos observar a pobreza menstrual na cidade por meio das escolas. Conversando com as diretoras das escolas e as professoras, percebemos que muitas meninas adolescentes em período menstrual faltam às aulas pelo fato de não terem esses itens de higiene”, explica a vereadora.

Segundo os dados levantados pelo Girl Up, 7,5 milhões de garotas menstruam nas escolas. Dessa maneira, a instituição deve oferecer condições necessárias para que essas estudantes realizem o manejo da higiene menstrual. No entanto, a realidade se distancia desse ideal, é o que demonstra o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, produzido pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), divulgado no dia Internacional da Dignidade Menstrual, 28 de maio de 2021.

O relatório indica que 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas, sendo privadas de ter acesso a absorventes, papel higiênico, sabonetes e até mesmo banheiros.

‘Levar o mínimo de dignidade sem julgamentos é mais que uma missão’

Em Juiz de Fora, algumas iniciativas garantem assistência para mulheres em situação de vulnerabilidade social, como é o caso dos projetos da Associação dos Amigos (Aban) e do coletivo feminista Maria Maria.

Desde a origem da Aban em 1997, a organização promove trabalhos que auxiliam mulheres em alta vulnerabilidade social, mas foi em 2007 que o projeto Vida Plena começou a acompanhá-las, proporcionando diferentes atividades.

“Elas participam uma vez por semana de uma das palestras educativas que realizamos, e cada uma se envolve nos chamados grupos de trabalho de acordo com seu perfil, dons, desejos, talentos e dificuldades. Tem grupo de arte, de assessoria jurídica, de atendimento de saúde, tem grupos ligados à questão ambiental”, informa Renato Lopes, diretor da Aban.

A ação atende 130 mulheres e dentre os serviços prestados estão a doação de alimentos e itens básicos de higiene pessoal, além do acompanhamento médico com uma equipe de saúde, focada na prevenção da saúde da mulher. “A questão da pobreza menstrual não foi um tema colocado diretamente por elas, mas foi um tema que nós percebemos na medida em que a gente sabia da realidade delas e que muitas vezes o recurso dava só para alimentação. Então higiene e limpeza eram questões de grande desafio. Dessa forma, nós garantimos que nas nossas mercearias – loja que tem em cada Aban para que as mulheres possam comprar os itens com a moeda social do projeto – tenham itens básicos de higiene e limpeza, como absorventes”, ele relata.

Atualmente as arrecadações estão sendo feitas pela campanha JF Sem Fome, recolhendo doações de recursos através do site ou do Instagram @aban_associacaodosamigos, na tentativa de reduzir os reflexos da pandemia na vida das famílias atendidas. “Hoje como estamos trabalhando com 130 mulheres, conseguimos arrecadar e entregar entre 8 e 10 toneladas de alimentos e materiais de higiene e limpeza por mês. As pessoas podem ajudar sendo voluntárias entrando no site da Aban ou doando neste momento pela campanha JF Sem Fome.”

O coletivo Maria Maria promove campanhas de arrecadação de itens de higiene básica para as detentas da cidade. “A gente procura sempre ajudar não só na parte de absorventes, mas de higiene geral das detentas. Nós vamos até lá conversar com elas e com as agentes penitenciárias, para entender o que elas estão precisando. A partir disso, realizamos campanhas para arrecadar doações e garantir o que elas necessitam”, relata a assessoria de comunicação do coletivo.

Projeto Vida Plena, da Aban, reúne mulheres para palestras de orientação de temas, como direitos, artes e atendimento de saúde (Foto: Divulgação)

O projeto atende entre 170 a 190 mulheres e, com a pandemia de Covid-19, a organização sentiu a necessidade de mobilizar a população a doar na tentativa de minimizar as dificuldades agravadas por esse período. “As mulheres são mais abandonadas no cárcere que homens, e o Estado não fornece produtos de higiene pessoal em números e de forma adequada. Somando-se ao fato de que a higiene das mãos é a principal forma de prevenção do contágio do coronavírus, decidimos realizar uma campanha voltada para elas, que infelizmente caem muitas vezes no esquecimento do setor público e da sociedade em geral”, comenta a assessoria.

Entretanto, o coletivo foi informado de que as encarceradas não estão precisando de absorventes neste momento. “Depois das últimas campanhas que o coletivo já fez, e com a cobertura da mídia, as pessoas estão procurando doar absorventes para elas. Então focamos em outros itens de higiene nesta campanha, mas algumas pessoas ainda doaram absorventes. Para nós, como coletivo, levar o mínimo de dignidade sem julgamentos é mais que uma missão. É preciso entender a importância do bem estar coletivo, assim como do controle de proliferação de doenças”, finaliza o coletivo.

Fonte: Tribuna de Minas