Situação do carnaval de 2022 ainda é incerta em cidades da região
Enquanto algumas cidades anunciam o cancelamento da folia, outras aguardam análises epidemiológicas
Por Cecília Itaborahy, estagiária sob supervisão de Wendell Guiducci
05/12/2021 às 07h00
Chico Buarque e Francis Hime, na música “Vai passar”, sintetizaram a emoção do carnaval e a capacidade de a festa ser, ao mesmo tempo, representação de folia e resistência contra opressores. É como se o carnaval, principalmente no contexto da música, fosse o grito de liberdade com o fim da ditadura. “E um dia, afinal/ Tinham direito a uma alegria fugaz/ Uma ofegante epidemia/ Que se chamava carnaval.” Mas e sem perspectiva alguma de festa, quando é que o carnaval vai ser o episódio catártico da vida com outras máscaras?
Assim como Juiz de Fora, uma série de cidades da região aguardam análises epidemiológicas para definir, de vez, a realização do carnaval. Na maioria delas, a resposta é que “não deve” acontecer. Só Rio Novo, Matias Barbosa, Santos Dumont e Mar de Espanha, na região, já oficializaram a não realização. Outras vezes, o questionamento é seguido de: “Tudo é uma caixinha de surpresas”. Referenciando um clássico do carnaval, que Didi e João Sérgio escreveram para a União da Ilha do Governador em 1978, poderia dizer: “Como será amanhã? / Responda quem puder / O que irá me acontecer / O meu destino será como Deus quiser.”
Atualmente, todas as cidades que compõem o Minas Consciente estão na onda verde, a mais flexível do plano. Apesar disso, a situação é instável, ainda mais com a chegada da nova variante Ômicron. Esse foi um dos motivos dados pelo prefeito de Rio Novo, Ormeu Rabello Filho (Cidadania), para o cancelamento. Em reunião com representantes de blocos e escolas de samba, ele definiu a festa como um risco à vida da população.
Aldo Torres, diretor de cultura de São João Nepomuceno, lembra que, mesmo na onda verde, atualmente só é permitida a realização de festas com 50% da capacidade dos locais e, na rua, ainda não foi liberado. Isso prejudicaria a realização do carnaval, uma vez que, de acordo com ele, a festa só será feita se a cidade puder receber turistas com normalidade. Economicamente, a folia chama atenção. Ele revela que a entrada de dinheiro nesse período é maior que o investimento, e isso significaria recuperação não só na cultura, mas na economia como um todo. Apesar disso, a cidade aguarda uma reunião no dia 15 de dezembro com o comitê da Covid-19, que reúne profissionais de diversas áreas, para dar o aval. De acordo com ele, existe 99% de possibilidade de não fazer. Mas a decisão final será tomada com base, somente, nos dados da cidade.
Cidades podem se unir para decidir
Por outro lado, outras cidades aguardam a decisão em conjunto para saber o que fazer. Alex Marigo, coordenador de cultura e turismo em Guarani e carnavalesco na Escola de Samba Turunas do Humaitá, comenta que a decisão depende da região, mas pode ser, sim, que tenha. O medo é fazer e atrair grande público, sendo que a cidade não teria estrutura física e econômica de barrar, por exemplo, pessoas sem vacinação. Ele acredita que, se tiver em outras cidades, haverá uma distribuição que permitiria a realização.
Mesmo com indecisão, vem sendo feito planejamentos para, caso seja possível, colocar os blocos e os carros alegóricos na rua. Aldo, por exemplo, diz que tem tudo planejado, porque precisa de tempo. Ele ainda fala que a decisão precisa ser tomada o quanto antes para não prejudicar as escolas de samba da cidade, que precisam se organizar. Como é o caso de Alex com a Turunas do Humaitá em Guarani.
Como um todo, as escolas foram prejudicadas pela pandemia. O dinheiro que movimenta e possibilita o desfile é fruto de eventos que acontecem ao longo do ano, além de patrocinadores e, sobretudo, “sorte”, como Alex fala. Sem tudo isso, o caixa está zerado. Por causa da Lei Aldir Blanc de apoio à cultura, a Turunas conseguiu R$ 6 mil, o suficiente para comprar as plumas para as fantasias. A situação dos materiais que a Turunas possui é “uma caixinha de surpresa”. “A gente pode abrir e ver que perdeu muita coisa. Tudo é muito incerto”, ele prossegue. Enredo já tem: “O recomeço de uma história já contada”, que, como deve ser, fala sobre o passar pela pandemia.
Grande reinado no carnaval são-joanense
O Bloco do Barril, em São João Nepomuceno, já atraiu, em uma segunda-feira de carnaval, mais de 20 mil pessoas, vindas de além das fronteiras de Minas Gerais. Desde que começou, em 1973, quem organiza o bloco é a rainha eleita. No ano de 2020, Everson Rezende foi quem recebeu a faixa. Ele fala que, no palco mesmo, já começa a pensar como vai ser o desfile do ano seguinte. Talvez esse seja o maior tempo de um reinado no bloco. Ano que vem ele completa dois anos com a coroa e sem o bloco na rua.
Exatamente por ser tradicional, é praticamente impossível sua realização nessas condições. Só o Bloco do Barril movimenta, e muito, a cadeia produtiva local, tanto cultural quanto econômica. A não realização representa perda. Mas, como envolve uma série de pessoas, é, ao mesmo tempo, arriscado. “Muitas pessoas se reestruturaram na cidade nessa época, por causa do bloco. Não fazer abala e muito a cidade como um todo, mas é a melhor escolha”, opina Everson. Seja como for, tudo já está sendo pensado para 2023, ano em que o Bloco do Barril completa 50 anos.
Em Ubá, não vai ter Embocadura
Mesmo se houver carnaval em Ubá (que ainda segue sem definição), a Philarmônica Embocadura, que desfila pela cidade há quase 70 anos, não vai sair. A família de Cecé Defelippe foi uma das que fundou o bloco. À frente da Embocadura, ele fala que não faz sentido sair e “fingir que nada aconteceu”. Ele segue: “Nossa irreverência nos mais de 60 anos de desfiles seguidos por milhares e milhares de foliões é levado a sério e nos solidarizamos aos enlutados. Voltaremos firmes com nossos músicos quando entendermos que só felicidades e folia irão atrás de nós”.
Em Rio Novo, antes mesmo do anúncio oficial de que não haverá carnaval, a organização do Bloco do Zé Pereira já tinha planejado reunião com a Prefeitura para avisar que não iria desfilar. O bloco foi fundado em 1906 e desde 1910 ocupa as ruas da cidade com os bonecões reverenciando personalidades da cidade. Rodolfo Freitas é quem, atualmente, dirige o bloco que foi tombado como patrimônio cultural imaterial no município. Ele lembra que a perda econômica também é relevante. Zé Pereira sai pelas ruas de Rio Novo antes mesmo do carnaval e, durante os finais de semana de atração, recebe muitos foliões que, por isso, movimentam a economia da cidade. O medo é que a história do bloco caia no esquecimento da nova geração de rio-novenses. Um sentimento compartilhado por outros carnavalescos, que percebem que as festas nas cidades do interior já têm atraído mais famílias que jovens e, por isso, têm adquirido novas configurações. Como será? Alex informa: “É viver para ver mesmo”.
Fonte: Tribuna de Minas