Recordar é Viver: Entrevista Dorival Caymmi, 90 anos
Em 31 de março de 2004, O MUNICÍPIO publicava: Entrevista: Dorival Caymmi, 90 anos
No próximo dia 30 de abril, o consagrado compositor Dorival Caymmi estará completando 90 anos, dos quais 64 casados com Stella Maris, mineira de Pequeri que conquistou o coração do famoso baiano.
A apresentação da futura esposa aos amigos aconteceu durante um almoço, à base de vatapá, na casa do escritor Jorge Amado, na Urca, no Rio. Na festa estavam os respeitados jornalistas Carlos Lacerda e Samuel Wainer, além do biquense Emil Farhat.
A amizade de Emil com os Caymmi se estendeu por muitos anos. Em meados da década de 90, ao tomar conhecimento de que o amigo tinha vindo morar em Pequeri, o escritor fez questão de homenagear Caymmi e Stella Maris em sua casa, em Bicas, com um almoço árabe, preparado por suas irmãs Ática e Suade Farhat.
Autor de eternos sucessos como “O que é que a baiana tem?” “Saudades da Bahia” e “Samba da minha terra”, Caymmi recebeu em sua casa de Pequeri, onde mora com Stella, o diretor proprietário de “O Município”, José Maria Machado Veiga, para um simpático bate-papo, com a presença de Denise Cardoso e do colunista César Romero.
O Município – Baiano e morando no Rio, o senhor imaginava vir parar em Minas?
Dorival Caymmi: Vim a Minas pela primeira vez em na década de 40 para conhecer a terra natal de minha mulher. Sempre gostei muito de São Pedro do Pequeri, que era o antigo nome, por ser um lugar agradável e tranqüilo e onde existia o trem. Na época dos festivais de música voltei a Pequeri para rever os amigos. Incentivados pelos irmãos Gioconda e Júlio Vanni, eu e a Stella decidimos adquirir uma casa e permanecer na cidade.
Qual sua avaliação hoje da música popular brasileira?
Não é atraente. Não é apaixonante, como era a música de antigamente. Hoje a prática é de quem gosta só de ganhar dinheiro. Não quer saber de qualidade, de beleza, de poesia, como já foi a preocupação do compositor e do cantor brasileiro.
A Bahia, por exemplo, já produziu o afoxé, o axé, a timbalada. Isso é um avanço ou um modismo?Não tem nada de avanço aí. É na base do rock (rótulo). Bateu, valeu…
A Bahia deve algum reconhecimento ao senhor?
A Bahia sempre foi muito gentil comigo, mesmo estando fora de lá. Eu saí de lá no dia 1º de abril de 1938. Saí para o Rio de Janeiro. Eu queria viver a aventura de fazer jornalismo, literatura, e acabei entrando nesse meio e na música.
Seus filhos, Danilo, Dori e Nanna herdaram seu talento musical. Como o senhor avalia a continuidade de sua obra?
A minha participação aí é pela metade (aponta para sua mulher, dona Stella Maris, sentada ao lado).
O que acha do ministro Gilberto Gil?
Ele tem o talento dele. Tomou uma posição no Estado, trabalhosa e difícil. Mas eu apoio ele.
E a política atual?
Eu não estou observando muito não, mas se o negócio está ruim, você não conserta naquele tempo programado. Se acham que o Brasil muda de hoje para amanhã, passando a ser um outro Brasil, isso não é fácil. A tarefa é dura. De modo que eu não estou dizendo do nada. Não é hora de falar nada.
O senhor conseguiu atingir seu objetivo com sua obra?
Atingi. Eu chego, o meu povo me conhece. A minha glória é essa.
Como é seu processo de criação? A letra vem primeiro e a música depois, ou vem junto?
Vem junto.
O senhor tem alguma obra inédita?
O que é que eu tenho de inédito? (dirigindo-se à sua mulher, que começa a lembrar-lhe alguns versos). Tenho um tema da abertura do livro de Jorge Amado, “Teresa Batista”. (Canta uns versos, sempre acompanhado pela mulher). “Para falar de Teresa, meu bem/ Pergunte primeiro a mim/Tudo que eu sei de Teresa, meu bem/ Conto tim tim por tim tim.”
Pequeri já inspirou alguma música do senhor?
(Quem responde é dona Stella) Para mim, pelo menos, não (risos. Depois Caymi volta a falar) Se eu tivesse que fazer alguma música sobre Pequeri, teria que ser naquela primeira fase, entre 1944 e 1952.
Cite um dos muitos momentos importantes na sua carreira.
– Uma apresentação, em 1939, no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com o espetáculo beneficente “Joujoux e balangandãs”, organizado pela primeiradama, dona Darcy Vargas.
Ping- Pong
Qual o tipo de música que o senhor ouve
– Aquilo que me toca o coração. “Eu sonhei que tu estava tão linda”…
Essa seria a música da vida do senhor
– Não. Essa é apenas uma delas. A música clássica é uma das minhas paixões.
Ator – Procópio Ferreira
Atriz– AracyCortes.
Muher bonita – Stella Maris (sua esposa,
que, ao fundo, comenta: “Essa não. Essa não.”)
Flor – Rosa
Filme – “Cidadão Kane”, de Orson Welles; “Tempos Modernos, de Charlie Chaplin.
Mito, na política – Carlos Lacerda.
Na arte – Cândido Portinari.
Na literatura – Jorge Amado, Gilberto Freire.
Prato predileto – Um vatapá e um caruru bem feito, como o preparado por uma amiga do peito, a Alda Rodrigues Pereira.
Agradecendo o carinho do casal Stella e Caymmi, encerramos com a opinião do “mestre” sobre o livro “Dorival Caymmi – O mar e o tempo”, de autoria de sua neta Stella Caymmi:
“Eu sou suspeito para falar de O mar e o tempo porque sou avô e amigo da autora. Talvez tenha também a suspeição de ser um participante este texto lindo e bem organizado. Isto me dá um prazer enorme e um grande respeito pela autora e seu trabalho bem feito”.
- Fotos: Toninho Carvalho