Polícia indicia jovem negro e gay por injúria racial e homofobia

Polícia indicia jovem negro e gay por injúria racial e homofobia em JF

Reportagem do EM mostrou com exclusividade relatos de três das seis vítimas no inquérito policial; agressor também é acusado de ameaças de morte e estupro

Bruno Luis Barros – Especial para o EM
03/05/2022 19:26 – atualizado 03/05/2022 19:37

Uma das primeiras vítimas, Graziele Cláudia Matias Campos Batista, de 24 anos, foi comparada pelo agressor com uma mulher branca, dizendo, entre outras coisas, que ela era uma ‘macaca’, ‘preta’ e ‘suja’ (foto: Redes Sociais/Reprodução)

Após cometer ataques em série nas redes sociais, um jovem negro e homossexual, de 22 anos, foi indiciado pelos crimes de injúria racial e homofobia contra seis vítimas em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, informou a Polícia Civil do município, em comunicado oficial, nesta terça-feira (3/5).

Além das ofensas motivadas pela orientação sexual e cor da pele, o Estado de Minas apurou que o investigado também fazia ameaças de morte e estupro. Logo, as primeiras denúncias vieram à tona, com exclusividade, em novembro do ano passado.

Três das vítimas relatadas no inquérito policial remetido à Justiça foram descobertas pela reportagem. Uma delas, o influenciador digital João Pedro Scapim, de 21 anos, apontou, inclusive, que teve o atendimento negado quando procurou a Polícia Militar para denunciar a homofobia que sofreu. Entenda melhor as denúncias no fim da reportagem.

Agora, em um novo capítulo, a conclusão das investigações – sob comando da delegada Ione Barbosa – acontece quase um mês após o cumprimento de mandados de busca e apreensão nas residências do investigado e dos pais dele. Na ocasião, ele tentou fugir ao pular por uma janela, mas foi capturado.

“Foram, pelo menos, 12 agressões [por meio das redes sociais]. Os pais disseram que ele é uma pessoa extremamente agressiva, com bruscas oscilações de humor. Em uma lista de nomes, que apreendemos na casa dele, tinham mais de 20 pessoas das quais ele queria se vingar”, conta Ione à reportagem.

Para a delegada, que também atua como presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, pela conversa com os pais, ficou claro que o agressor oferece risco à sociedade, podendo fazer outras vítimas. “Ele é uma pessoa que tem desvios de caráter, mas também faz tratamento psiquiátrico. Ao final [do inquérito], peço ao juiz a internação compulsória dele. O tratamento psiquiátrico é urgente”, complementa.

Anteriormente – quando encaminhou à Justiça os pedidos para os mandados de busca e apreensão no início do mês passado – , Ione Barbosa já havia solicitado a prisão preventiva do autor, que foi negada, pois o juiz entendeu que uma medida cautelar seria o suficiente.

Com esse recurso – previsto no artigo 319, inciso III, do Código de Processo Penal (CPP) –, o agressor fica proibido de se aproximar das vítimas. “Em caso de descumprimento da medida, ele será preso”, pondera Ione.

O que diz a lei?

O investigado responderá com base no terceiro parágrafo do artigo 140 do Código Penal – que refere-se à injúria racial. Logo, para cada uma das seis vítimas, a pena pode variar um a três de reclusão, além de multa. “Ainda por falta de uma legislação específica, o STF entendeu que o crime de homofobia deve ser equiparado ao de injúria racial”, pontua a delegada.

As vítimas descobertas pela reportagem

“Macaca, preta, suja, usa drogas e só serve para sexo”. Estes foram alguns ataques com os quais Graziele Cláudia Matias Campos Batista, de 24 anos, foi surpreendida nas redes sociais, em Juiz de Fora. À época, em 18 de janeiro deste ano, a reportagem conversou com a estudante que, pela segunda vez, foi vítima de injúria racial praticada pelo agressor na internet.

Antes disso, em outubro do ano passado, ela foi surpreendida pela primeira vez em mensagens privadas no Instagram, quando decidiu gravar a conversa em chamada de voz pela rede social. “Volta pra África! Macaca! (…). Cabelo duro! (…). Você tem que ser estuprada. Só pra isso que você presta! Eu não ligo para o que preto pensa. Eu sou superior a você”, disse o homem nas gravações publicadas pela reportagem à época.

O ataque aconteceu após Graziele tentar defender o amigo Gabriel de Paula, de 20 anos, que – vítima de homofobia – foi chamado pelo agressor de “pintoso” e “afeminado”. O agressor disse, à época, que o jovem, por ser homossexual, deveria morrer e que sua orientação sexual é resultado de “falta de porrada”.

Ao denunciar o caso em suas redes sociais, Graziele foi abordada por algumas pessoas, em mensagens privadas, relatando que também foram alvos de ataques do mesmo indivíduo. Por meio de Graziele, o Estado de Minas, na ocasião, conseguiu abordar algumas das vítimas que registraram provas das agressões, além de boletins de ocorrência junto à Polícia Militar.

O terceiro caso descoberto durante as apurações jornalísticas foi o do influenciador digital João Pedro Scapim, de 21 anos. Ele foi um dos alvos dos ataques homofóbicos ocorridos no fim de outubro de 2021.

“Eu já sofri homofobia, mas nada parecido com isso. Ele chegou ao ponto de ameaçar a minha família de morte. Quando recebi as mensagens, eu estava no trabalho e demorei um pouco para processar o que estava acontecendo”, declarou ele, à época.

No arquivo de vídeo, com gravação de tela, encaminhado pela vítima à reportagem, o homem usou a mesma abordagem agressiva de todos os ataques. Além da agressão homofóbica, o indivíduo fez ameaças de morte à família de João Pedro.

“Eu fui à delegacia após sair do trabalho fazer um boletim de ocorrência. No entanto, o policial disse que, como era um perfil falso, não tinha como identificar a pessoa e não fez a ocorrência. Isso aumentou meu medo, pois fiquei com a sensação de que não teria como recorrer a ninguém para me proteger”, acrescentou.

Em nota encaminhada à reportagem na ocasião, o tenente da Polícia Militar Robson Neves reforçou que todos os policiais são orientados a registrar a ocorrência. “Qualquer vítima deste tipo de fato pode procurar nossos postos policiais para registro”, disse.

Sobre a suposta falha de atendimento ao negar o registro do caso relatado por João Pedro Scapim, a PM não se manifestou.