O futebol de salão faz parte da minha história e da minha relação com o esporte

Hoje, mais do que torcer, vou me sentir em quadra com a seleção contra a Argentina, na final da Copa do Mundo

 

A primeira quadra de futebol de salão que conheci foi a do Esporte Clube Biquense. Mas demorei a chutar uma bola pesada sobre ela. Morei em três casas na rua do clube durante a infância, e era para lá que íamos depois da aula, com nossas dente de leite. A sede, como chamávamos o prédio da Avenida Brasília, fechava para o almoço e reabria às duas da tarde. Esperávamos brincando de dupla na rua, usando o muro como gol. Era só o portão fazer barulho para a molecada correr, pular a grade baixa sobre a linha lateral — hábito que cada nova diretoria que assumia tentava proibir e era imediatamente ignorada —, dividir os times e rolar o caroço. Jogávamos descalços sobre um piso de cimento que provocava bolhas no calor e tinha calhas entre as placas, onde volta e meia ficava um naco de pele da parte de baixo do dedão, vítima de um chute de bico (bicudo, na gíria local) mal dado.

Nas noites de julho, a coisa ficava séria. Nossos pais e outros adultos ocupavam a quadra para o torneio oficial da cidade. Além de pesadas, as bolas eram novinhas, o clube aproveitava o evento para renovar o estoque. E os craques costumavam também estrear tênis (naquele tempo, só chamávamos de chuteiras as de futebol de campo), comprados na loja do Tanide, em frente à praça da igreja, ou na Guaragil, em Juiz de Fora. A arquibancada de três degraus, de um lado só, enchia logo, e a diretoria abria os portões da piscina, que ficava num plano mais elevado, atrás de um dos gols, para a gente se debruçar no muro e ver de cima. Mesmo de pé, era lá que eu mais gostava de ficar.

Joguei só uma edição do campeonato, quando já morava em Juiz de Fora. Fiz pouco mais do que realizar o sonho de passar óleo nas pernas — uma estratégia para combater o frio que me parecia a coisa mais próxima de ser um jogador profissional. Naquela época, eu dedicava qualquer tempo livre a peladas de salão, nas quadras abertas do Colégio dos Jesuítas, em frente de casa, ou no ginásio coberto do Clube Caiçaras, a uma esquina — todas de cimento. Pisos de taco eram um luxo raro, e só no terceiro ano do ensino médio, que então chamávamos de científico, fui apresentado a um de tábua corrida, numa escola rival, a Academia de Comércio. O Coruja, amigo de outra turma, trabalhava lá e nos chamou para usar um horário que ficava livre durante as férias. Nunca fui tão feliz jogando bola.

Dali nasceu o Treizá (éramos todos da turma 3A e achamos o nome supercriativo), que representou o Jesuítas num intercolegial. Não ganhamos, mas os dois gols que fiz contra a Academia me valeram um convite do técnico Adonise para treinar no Bom Pastor, clube que representava a cidade no Campeonato Mineiro do Interior. Disputei uma edição, com muitos minutos no banco e um gol, de bico, por cima do goleiro, o último da goleada de 11 a 1 sobre o Paraisense, na fase de grupos.

Acho que já contei todas essas histórias em outras colunas. Mas hoje tem Brasil x Argentina na final do Mundial de Futsal. E, como acontece com tantos brasileiros, o futebol de salão, com ou sem a corruptela no nome, faz parte da minha história e da minha relação com o futebol e com o esporte. Mais do que torcer, vou me sentir em quadra com a seleção. Podem me chamar de Pacheco. Eu prefiro chamar de identificação cultural — que é o que mais me faz sentir brasileiro.

Fonte: O Globo