O fósforo e a vela
O que as pessoas estão fazendo de si mesmas? Chamo este momento de reflexão para colocar sobre a mesa um saco repleto de frustrações que milhões de cidadãos estão carregando consigo ao longo dos anos de sua existência. Qual então é o foco deste artigo? Falar sobre o ser humano e sua capacidade de ser um fósforo. Isso mesmo, um fósforo.
O ser humano vive enclausurado em sua caixinha escura, inerte e sem motivação, até que algo o manipule e o estimule a esquentar sua cabeça e a queimar toda a sua energia, consumindo-se como um palito de madeira que não conhece o perigo de ser envolvido pela chama. Muitas vezes a raiva é o principal combustível de seu momento de incandescência. Entretanto, existem outros que preferem ser como velas, e usam sua criatividade e emoção para prolongar sua luz por toda a sua existência.
Durante minha vida conheci muitas velas e também muitos fósforos. Estes últimos, porém, parecem possuir o dom da multiplicação. As pessoas andam cada vez mais raivosas e com o pavio cada vez mais curto, como se todo o problema de suas vidas fosse culpa de quem lhe está à frente. A frase “gentileza gera gentileza” nunca foi tão necessária como atualmente. Numa rápida visita aos juizados especiais veremos as inúmeras insatisfações que norteiam a áurea de todos ali presentes. Sejam funcionários ou usuários, todos possuem seus conflitos internos. Usuários que sempre acham a prestação do serviço público péssima e colocam o peso de suas idas e vindas nos inúmeros funcionários que muitas das vezes, sequer os viram anteriormente. Servidores que saem de suas casas desmotivados por irem mais uma vez de encontro aos milhares de problemas alheios, como se sua função fosse na verdade a de um psicólogo.
Este é somente um breve relato vivido cotidianamente por mim. Mas o que será que não acontece de pior nos diversos outros mundos do serviço público? Delegacias que dia e noite são banhadas por problemas e casos deploráveis. Hospitais de urgência e emergência, presídios, prefeituras… Quantos usuários e servidores se digladiam dia a dia?… Uns querem apenas que seu problema seja resolvido rapidamente e que não se sintam menosprezados. Outros desejam apenas melhores condições de trabalho e que possam ser vistos como pessoas que também possuem problemas, e não como meras lixeiras onde todos depositam seus problemas e querem de alguma forma mágica, a solução instantânea.
Quando perguntei o que as pessoas estão fazendo de si mesmas, quis provocar um instante de pensamento sincero, onde todos pudéssemos nos colocar no lugar do outro por um simples minuto. Esta empatia é o que falta nos dias atuais. Pensamos que o outro está ali para nos servir, mas esquecemos que tratar como gostaríamos de ser tratados é premissa básica de todo bom entendimento.
Somos perfeitos em julgar e péssimos em admitir. Gostamos de apontar e odiamos que nos apontem. Curioso como os anos passam e as coisas simplesmente não mudam. Jesus já dizia há mais de dois mil anos que muitos viam um cisco no olho do outro, mas eram incapazes de perceber a trave em seu próprio olho. Vemos as falhas de nosso semelhante e não notamos a nossa própria.
Somos perfeitos na incompletude. Aniquilados em nossa deficiência moral e relutantes em admitir que o nosso direito termina quando começa o do outro. Somos bons estudantes de teoria e péssimos em aula prática. Ostentamos diplomas acadêmicos e o prestígio de meia dúzia de bajuladores, no entanto, somos condenados à reprovação constante na escola da vida em virtude de nosso modo de ser.
Claro que não generalizo toda a espécie ao colocar algumas expressões na primeira pessoa do plural, porém, enfatizo que para os que se dispõem a ser velas, dividir o mesmo espaço com um gigantesco número de fósforos é extremamente perigoso e hostil.