Histórias quentes
Nas noites de inverno era comum, antes de irmos para a cama, a gente se acomodar à beira do fogão a lenha para ouvir histórias. Fazia parte do ritual lá em casa. As histórias de assombração eram as preferidas, por deixar todos atentos e perplexos.
Meu pai caprichava no enredo… Os personagens eram os mesmos, mas sempre tinha um ingrediente novo. E ele pra não ficar só, pedia a confirmação de minha mãe, que sempre anuía… Sr. João era um bom contador e sabia nos prender com aquela fala mansa e gestos interpretativos.
A Mula sem Cabeça soltava fogo pelas ventas, destruindo tudo que estava à sua frente e não adiantava perguntar onde ficavam as ventas dela. O Saci Pererê passava assobiando com o cachimbo na boca, pulando na garupa do cavalo e trançando suas crinas.
Tinha também aquela mulher vestida de branco que arrastava correntes pelos corredores do casarão abandonado… Minha irmã ficava com os olhos arregalados, e eu encostava na minha mãe. Os outros irmãos se fingiam de durões, mas quando iam pra cama não queriam que apagasse a luz do corredor.
Eu nem hesitava em cobrir a cabeça e ficar sem mexer até dormir… Nossas noites eram quase sempre assim: histórias contadas à beira do fogão eram uma maneira gostosa de entretenimento.
O rádio saia logo do ar e não existia televisão… Os mais velhos às vezes liam algo, mas o bom mesmo era aquela adrenalina em volta daquela lareira improvisada… Bicas fantasmagórica.