Uma volta no tempo XV

Entrevista com a saudosa Wanda Bianco

Em casa, de bobeira e tal… Entrevista a mim concedida e publicada originalmente no jornal A Região, n. 65, de 23 a 29 de dezembro de 1995 – Coluna Gerais/Conversando

Conversei em Juiz de Fora com a professora e articulista Wanda Maria Bianco Barreti, única filha mulher do emancipador de Bicas, dr. Vicente Bianco. Ela nasceu na terrinha e não gosta de falar “quantos anos tem”. “Sessenta e poucos”, sustentou, pra não me deixar sem resposta.

Iniciou seus estudos no Externato Santa Terezinha (Bicas), viajando para Barbacena, onde passou pelo Colégio Irmandade Conceição e depois, já em Rio Pomba, formou-se em professora no Colégio Regina Celi (internato).

O destaque dessa trajetória foi que, nesse último estabelecimento de ensino, as freiras liam – em primeira mão – as cartas endereçadas às alunas, só deixando chegar a elas as correspondências “insuspeitas”.

Como o dr. Bianco escrevia amiúde à filha, as beatas ficaram deslumbradas com sua cultura, sapiência e inteligência, xerocando seus escritos e guardando-os num arquivo confidencial.

Resultado: na solenidade de formatura das normalistas do Colégio Regina Celi, o nosso doutor foi o paraninfo e a nossa professora foi a oradora, muito embora sempre fora contra o regime de internato, não tendo em momento algum se adaptado à clausura das religiosas.

Ao se formar, nossa normalista tinha 15 anos, idade em que foi continuar os estudos no Rio de Janeiro – capital. Especificamente, fazer um curso de aperfeiçoamento no Colégio Lafaiete, só vindo a exercer a profissão, 20 anos mais tarde, na Escola Estadual Cel. Joaquim José de Souza.

Com a morte precoce de sua filha, Ana Maria, e depois do marido, Waldemar Barreti, sentiu-se muito só e angustiada para continuar morando em sua casa “grande demais”. Então, resolveu se mudar para Juiz de Fora com o filho Adriano, aproveitando o ensejo para ficar mais perto de irmão gêmeo, Wolney Bianco.

Após o desaparecimento da filha, nasceu a escritora, a articulista do jornal O Município, que se dedica principalmente a temas de cunho religioso (páscoa, natal etc). Seus artigos surgem de suas entranhas: são “sentidos”, profundos, meditativos.

Outrora, participava intensamente da vida social de Bicas, chegando a ser Rainha do Carnaval e do Tiro de Guerra. Atualmente, por distração, estuda inglês e participa da Universidade da Terceira Idade, além de estar sempre em oração (missas, novenas, etc).

Graças ao trabalho ferrenho de seu pai, dr. Bianco, Bicas foi emancipada em 7 de setembro de 1923, ato publicado no “Minas Gerais”, em 9 de setembro de 1923, sendo ele o primeiro presidente da Câmara Municipal. Mais tarde, disputou, através do voto direto, uma cadeira no mesmo legislativo, não conseguindo se eleger.

E isso ela não engole, porque acha que o povo foi ingrato e não reconheceu o insuperável trabalho que seu pai – nascido em Maripá de Minas – realizou pelos biquenses. “Quando o doente era pobre, ele atendia, receitava e dava o dinheiro para o remédio. Por essas e outras, era chamado de Doutor da Caridade”, lembrou.

O Gigante de Bicas, como também era conhecido, trouxe para a cidade o Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais, abrindo filiais em toda região. Mas, mesmo com todas essas feituras, era deveras perseguido pelos adversários políticos, que tentavam a todo custo – e com muito dinheiro – derrubá-lo, politicamente falando; porém, sempre com diplomacia, safava-se convincentemente de todas as armadilhas do “acaso”.

“Lembro-me perfeitamente de uma reunião político-social em que o dr. Oliveira deu a palavra a meu pai, achando que ele desconhecia o tema em pauta. Todos foram surpreendidos com a facilidade com que ele desenvolveu o assunto. Ele tinha uma memória fabulosa”, disse.

Nenhum dos filhos do dr. Bianco – nem Walter, nem Werter (falecidos), nem Wolney, nem Wellington – tiveram trajetória parecida com a do pai, mas o neto Adriano, seu filho, tem o gênio do avô. Primeiro lugar na faculdade de direito, é expansivo, alegre, simpático e foi muito bem votado para vereador, em JF, no pleito passado, sobrando por causa da injusta soma das legendas partidárias. Adriano deve voltar em 96!

No mais, ela disse que …

Seu pai e sua mãe, d. Alzira de Campos Bianco, eram liberais, mas não abriam mão de um bom colégio interno … O dr. Vicente Bianco nasceu em 1891, e morreu em 1957 … No Colégio Lafaiete – no RJ – fez um curso de Visitadora Social (hoje, Assistente Social) … Recebeu do jornal O Município (70 anos, em 1993) o Diploma de Honra ao Mérito pela sua contribuição na história de nossa comunidade … O dr. Bianco era vicentino, líder católico, professor do Senai e não fazia política de botequim … Subiu no palanque para fazer campanha pró-Jânio Quadros à presidência da República e tem um primo que lhe falou: “Você foi a primeira mulher a guiar uma motocicleta em MG” … Seu filho, Adriano, foi aclamado presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade CJS Vianna Júnior … Seu pai foi professor e vice-diretor do Colégio Pio Americano, do Rio de Janeiro, viajando à Itália – a passeio – em 1913 … Gosta de música (cantava em casamentos), política e comida italiana … O dr. Bianco conhecia o mundo, geograficamente. Falava francês, italiano e era bom orador (improviso).