Ele se chama Irineu Guimarães

Sob o peso dos anos, um homem, com a sacola, dirige-se aos transeuntes em plena Rua Halfeld, em Juiz de Fora, pedindo-lhes auxílio para os seus meninos.

A cena é inusitada, comovente, e provoca comentários dos pequenos grupos que logo se formam.

Aquele homem é um antigo reitor e professor de inglês aposentado de um dos maiores colégios deste país, o Instituto Granbery. Ele se chama Irineu Guimarães.

Sua trajetória de educador é página de bronze, que não se apagará jamais da memória nacional. Gerações sucessivas ouviram dele as grandes lições de idealismo e fé. Vocações foram despertadas, caminhos se rasgaram, horizontes se abriram, responsabilidades foram reclamadas, no exemplo e na firmeza daquele mestre generoso, culto e indomável.

Nada o desanimava na crença e no amor aos moços, que um dia iriam comandar os destinos de sua gente. Sabia de sua alta e responsável missão. Ninguém o excedia no patriotismo consciente, que não onera os cofres públicos, e nada reclama da nação. Ele ali só estava para atender a vocação de servir, de ser útil à comunidade e ao futuro.

Este cidadão ímpar, que dedicou uma vida inteira a serviço de uma das mais ingratas e injustiçadas profissões, em nossa terra, afastou-se, finalmente, da dura trincheira, após sofridas canseiras, com mísera aposentadoria de um salário mínimo da época.

E dele não se ouviu uma palavra sequer de mágoa ou incompreensão. Ao contrário, isto é que o dignificou e o elevou ainda mais no conceito e na gratidão dos que têm o privilégio de conhecê-lo.

O velho professor aposentado não havia ainda encerrado o belo tempo de sua vida. E de novo pôs-se a caminho, a carregar pedras e a madrugar os dias, para abrir nova trincheira. Com seu prestígio e sua legenda, que já ultrapassava as fronteiras do país, foi erguendo um a um, com as doações que chegavam de todos os cantos, os pavilhões da solidariedade humana, o Instituto D. Selva, na pequena cidade de Guarará, onde abriga, alimenta, veste e educa dezenas e dezenas de crianças pobres e desamparadas.

Vários prédios já estão a marcar a presença de uma figura singular que enche de orgulho os contemporâneos.

Hoje, com mais de oitenta anos, o professor Irineu Guimarães ainda prossegue, com uma energia de predestinado. E estas linhas, que agora escrevo são breves, como se fosse uma visita, pois não pretendo ocupar-lhe o tempo precioso, que ele tem para devotar aos seus meninos.

(Publicado no jornal O MUNICÍPIO, em março de 1982)