Danilo diz que CBF deveria ouvir jogadores sobre técnico e vê hora ideal para renovar lateral do Brasil: Confira entrevista completa
Em entrevista exclusiva ao ge, jogador da Juventus afirma que hoje prefere atuar como zagueiro, analisa queda da Seleção na Copa do Mundo e faz autocrítica sobre posicionamento antirracista
Danilo não se importa em dar opiniões impopulares, defender ideias que vão contra seus próprios interesses ou mesmo admitir erros publicamente. Prestes a completar 32 anos e com a bagagem de duas Copas do Mundo, o zagueiro da Juventus e lateral-direito da seleção brasileira passou por variados assuntos em entrevista exclusiva ao ge.
Titular na maioria dos jogos do Brasil sob o comando de Tite, Danilo afirma que é momento de a lateral-direita da Seleção passar por uma renovação e abrir espaço para novos talentos. Consolidado como zagueiro – e um dos capitães – da Juventus, ele está disposto a seguir jogando em sua posição de origem com a amarelinha, mas pondera:
Ao longo de mais de uma hora de conversa, Danilo analisou a queda do Brasil na Copa do Mundo do Catar, falou sobre os planos para o futuro e fez um balanço da última temporada, na qual disputou 54 jogos, sendo o atleta que mais vezes defendeu a Juve.
O próximo técnico da Seleção também esteve em pauta. Para o jogador, lideranças do grupo canarinho deveriam ser consultados pela CBF antes da escolha:
– Seria a coisa mais inteligente a se fazer –opinou.
Confira abaixo a entrevista exclusiva com Danilo:
Você atuou quase toda a temporada como zagueiro pela Juventus. Porém, voltou a ser convocado pela Seleção como lateral. De alguma forma, isso te surpreendeu?
– Não, surpresa não. Uma das coisas que sempre deixei claro ao longo dos últimos anos foi a minha capacidade de me adaptar a variadas posições, principalmente na defesa. Eu venho jogando muito como zagueiro, mas também durante os jogos eu exerço funções de lateral. E a minha forma de jogar como lateral mudou ao longo dos anos. É uma função que posso fazer de acordo com as minhas características e como eu interpreto de maneira tranquila jogando muito tempo como zagueiro. Não foi surpresa, ainda mais nesse momento da seleção brasileira em que existe bastante incerteza e, do trabalho do Ramon, não se sabe qual será o objetivo. É importante ter jogadores experientes, jogadores que já tenham um histórico lá dentro até para manter o respeito da seleção brasileira.
Em uma entrevista em 2021 ao ge, você disse que não se via como lateral ou zagueiro, mas sim como um defensor. Porém, demanda uma adaptação mudar de função, certo? Por você, tudo bem jogar de forma diferente no clube e na Seleção?
– Sim, tudo bem para mim. É uma coisa que nunca será um empecilho. Para jogar na seleção brasileira, posso jogar como zagueiro no meu clube na maioria das vezes e, na seleção, jogar como lateral. É claro que eu interpreto a posição de uma maneira diferente e isso exige uma conversa com o treinador para que eu possa entender o que ele quer de um lateral e que ele possa entender o que eu posso dar para a seleção como lateral.
Hoje há uma preferência da sua parte?
– Sendo uma posição em que jogo a maioria das vezes, como zagueiro, é humanamente impossível executar a posição de lateral com a mesma maestria que jogo como zagueiro, apesar de ser um jogador que me adapte de maneira rápida. Mas, nesse momento, tenho tido a preferência de jogar como zagueiro, uma posição que me permite ter a bola, ter muita influência na construção de jogo e, com tudo o que aprendi nos últimos anos, com toda a minha experiência que passei, posso contribuir muito nesse momento do jogo sendo um dos primeiros homens que começam as jogadas, que entendem os espaços, para que lado deve ou não sair a bola. Eu gosto de ser um jogador que orienta em campo. Nessa posição de zagueiro, em que você consegue enxergar a maioria dos companheiros, é uma posição que me privilegia nessa capacidade de auxiliar e ser dentro de campo uma voz e um braço do treinador para fazer com que a equipe se mova de uma forma melhor.
– A minha melhor característica é fazer com que o time e os outros jogadores façam o melhor trabalho em campo.
O Daniel Alves encerrou o ciclo pela Seleção, você tem jogado cada vez mais como zagueiro, o Fagner, que esteve na Copa de 2018, já está mais velho e num momento descendente… É hora de renovar a lateral direita do Brasil?
– Sim, até porque não é nem questão de escolha, é questão de necessidade. É um momento justo para testar novas peças, testar novas formas, sem se desgarrar da estabilidade da equipe. E não só na lateral direita, claro que em outras posições a gente tem às vezes mais alternativas, mas é importante nesse momento, é o momento ideal para dar oportunidade a outros jogadores, a atletas que interpretam a função de uma maneira diferente. Talvez isso que eu digo vá contra aquilo que pode ser a minha trajetória na seleção brasileira nesse momento, mas é o justo. O futebol pede renovação constante, mas é claro mantendo equilíbrio e estrutura, e isso eu digo que a seleção tem, nomes que mantém a estrutura. É momento ideal de dar oportunidade, testar jogadores até para entender se aquilo que o jogador faz no clube ele tem capacidade para desenvolver na Seleção. Não é a mesma coisa, a gente já viu diversos jogadores que jogam de uma maneira no clube e, na Seleção, por vários fatores, não conseguem exercer, não é tarefa fácil. É o momento ideal para dar oportunidades, ver outros jogadores e entender se aquilo casa com o jogo que supostamente vai nascer da seleção brasileira ou não.
– Tem o Dodô, da Fiorentina, Gilberto, do Benfica, existem jogadores que podem trazer uma maneira de interpretar a posição interessante. Os jogos não são todos iguais, então a maneira de interpretar e aquilo que você necessita em cada jogo vai mudando. É importante ter jogadores com características diferentes em um momento que o futebol é cada vez mais equiparado e difícil de surpreender o adversário, é uma arma que pode ser importante numa competição, num trajeto de Eliminatórias… Uma coisa muito importante é continuidade. Na seleção brasileira não é fácil obter continuidade. Eu fui convocado pela primeira vez em 2011 e fui ter continuidade nos últimos cinco anos. A exigência por resultado é grande, não é uma coisa fácil de se ter. Nesse momento é importante observar jogadores. Citamos alguns nomes e amanhã certamente vão surgir outros, não existe escassez.
– Quando eu fui convocado pela primeira vez já se falava em escassez de laterais-direitos tendo Maicon e Daniel Alves. Então, nesse momento se falar de escassez não é uma coisa surpreendente. O importante é testar, dar continuidade não apenas em jogos, mas no ambiente da seleção brasileira, de viagens, de dificuldades, de responsabilidades, fazer com que os jogadores se adaptem o quanto antes para, em campo, exercer da melhor maneira.
A função dos laterais no futebol moderno mudou?
– Hoje em dia tem uma coisa que os treinadores valorizam muito nos clubes, que é o equilíbrio. É impossível controlar tudo no futebol, mas você precisa ter um mínimo de equilíbrio para realizar as ações. De uma forma bem grotesca, quando você tem laterais muito abertos, dando largura no jogo, você tem esse viés de ataque, o que faz com que alargue a defesa adversária, mas você fica vulnerável defensivamente, porque você tem dois zagueiros normalmente para cobrir o espaço, e esse espaço que os laterais deixam entre os zagueiros é um espaço que, se você fizer uma pesquisa, é onde acontece o maior número de gols e de ocasiões de gols. A gente sempre teve aquilo: um lateral ataca e outro faz o balanço. Fisicamente, é impossível manter isso dentro do jogo de uma maneira muito coordenada e, nesses momentos em que não funciona a coordenação, você fica vulnerável.
– Por que mudou muito a forma de o lateral entender o jogo? Põe eles por dentro, em uma construção, deixa a largura do jogo para os atacantes externos. Isso faz com que você tenha pelo menos três jogadores para cobrir um contra-ataque. Quer dizer que você não vai tomar gol por ali? Não, mas você vai ter o mínimo de estabilidade e equilíbrio. Essa é minha forma de pensar. O Bayern de Munique tinha nesse ano o Alphonso Davis e João Cancelo em determinados momentos da temporada, mas nos jogos decisivos não jogavam os dois, jogava o Pavard ou mudava. Por quê? Um precisa dar equilíbrio para dar liberdade para o outro e para os outros da frente. O Liverpool jogou por vários anos com o Robertson e o Arnold fazendo isso de uma forma incrível, era uma equipe muito forte nessa valia, entretanto, sofria um pouco às vezes no momento de transição pelo espaço deixado pelos laterais. Nesse momento, o Arnold começou a interpretar a posição de uma forma que ele joga mais como meio-campista e, na regressão, ele está mais por perto, por dentro, e consegue retomar a posição de uma maneira mais fácil. A minha forma de interpretar essa mudança na posição de lateral é justamente para haver um equilíbrio a mais defensivo no momento de perda de bola.