Danilo, Daniel e a Copa

COLUNA
Marcelo Barreto

A expectativa de ser convocado e a dor de ser cortado se encontram às vésperas do evento que mexe com a gente

Hoje a minha cidade vai dormir sonhando ver um filho seu na Copa do Mundo. Se você nasceu no interior, como eu, conhece ou pode imaginar o tamanho dessa expectativa. Todo morador de Bicas já imaginava que Danilo, que saiu de lá para jogar no Tupynambás, no Santos, no Porto, no Manchester City e na seleção brasileira, poderia estar na lista de Tite, mesmo antes da lesão de Daniel Alves. Agora, com o corte do lateral direito titular confirmado, o sentimento dos biquenses está muito mais próximo da certeza. Quando pudermos ler o nome Danilo Luiz da Silva na lista distribuída à imprensa, estará confirmado, de papel passado: sonhos podem se tornar realidade. Porque o que imaginamos jogando botão, o que narramos enquanto a bola dente de leite quicava pelas ruas de paralelepípedo terá acontecido a um dos nossos.

E é justamente essa emoção que me faz sentir mais próximo de Daniel Alves. Ele nasceu bem longe de mim, na zona rural de Juazeiro. Contou sobre os desafios de sua infância num emocionante artigo escrito para o site “Players Tribune”. Venceu todos, para jogar no Bahia, no Sevilla, no Barcelona, na Juventus, no PSG. E continuou vencendo, em cada clube que defendeu — tanto que fez o que nenhum jogador imagina que vai conseguir um dia: superar Pelé. Não no talento, claro, que isso nem Messi nem Cristiano Ronaldo puderam ainda; mas no número de títulos conquistados. Vai ficar faltando um, e logo o mais desejado.

Hoje, Juazeiro nem precisaria dormir sonhando, como a minha Bicas. O nome de Daniel Alves da Silva estaria pela terceira vez entre os convocados para uma Copa — e para ser titular, ao contrário do que acontecera em 2010 e 2014, quando foi reserva de Maicon. Talvez capitão, com certeza um dos líderes. A competição que pode começar a consolidar a carreira de Danilo seria o fecho de ouro da trajetória de Daniel. Aos 35 anos, ele mesmo sabe que não deverá ter outra chance.

Jogador que se machuca em véspera de Copa me corta o coração. E nem precisa ser brasileiro. Este ano, antes mesmo de saírem as listas, já tinha acontecido com Chamberlain e Gomez, da Inglaterra, e Koscielny, da França. E ainda faltam algumas finais de campeonato e os amistosos de preparação, que costumam fazer mais vítimas. Eu leio cada notícia dessas pensando na história de vida de cada um — e se não a conheço de perto, sempre posso imaginá-la. Aprendi quando entrevistava atletas de handebol num programa do Sportv antes dos Jogos de 2008 e achei que estava fazendo bonito ao dizer que elas tinham se preparado durante todo um ciclo olímpico, quando recebi uma correção suave, porém firme: “A gente não se preparou só por um ciclo olímpico; foi a vida inteira.”

A expectativa de Danilo e o drama de Daniel têm a mesma origem: o funil do futebol. O esporte mais popular do mundo vai deixando milhares de trajetórias como as deles pelo meio do caminho. “O futebol é uma bênção!”, nós, jornalistas, costumamos brincar quando vemos um jogador que consideramos ruim num bom emprego. É inveja, claro. E não é justo: a bênção é para poucos. E vai sendo para cada vez menos, até os 23 da lista da Copa.

A Copa. Vamos nos esquecendo dela ao longo de cada período de quatro anos — e no último até quisemos. De repente, nos damos conta de que está chegando e nos perguntamos se não está faltando clima: ninguém está pintando as ruas ainda! Espere só até a lista sair. Danilo, Daniel, eu e você vamos nos lembrar direitinho que ela está logo ali.

Fonte: O Globo – 13/05/2018