Chamada de ‘Vó Preta’, doméstica foi mantida em condições análogas à escravidão por 3 gerações em MG; patrões terão que pagar R$ 2 milhões em indenização

Por g1 Zona da Mata — Juiz de Fora

Carlos Alberto da Silva, auditor fiscal da Receita Estadual de Minas Gerais, e a ex-esposa dele Jane Franca e Gomes Silva foram condenados a pagar uma indenização de R$ 2 milhões por manter uma empregada doméstica sem salário, em condições análogas à escravidão, por mais de 40 anos.

A trabalhadora, atualmente com 63 anos, também vai receber todos os direitos trabalhistas retroativos e pensão para custear gastos com moradia, além de assistência psicológica.

O advogado de defesa do casal, Daniel Salles Barros, disse que com base em todo o acervo probatório será demonstrado que a acusação não procede. Veja a íntegra da nota mais abaixo.

A escravizada chegou a abrir o processo, mas voltou atrás da decisão. No entanto, como o assunto é de interesse público, o Ministério Público do Trabalho (MPT), na 2ª Vara de Juiz de Fora, manteve a apuração da denúncia à revelia da vontade dela. Para manter a identidade da trabalhadora preservada, a reportagem optou por não divulgar o nome dela.

Segundo o processo, a relação ilegal aconteceu entre 23 de janeiro de 1982 a 10 de março de 2022, até uma denúncia anônima ser feita à Justiça. Uma filha do casal, após romper relações com a família, também ajuizou ação no Tribunal Regional do Trabalho.

Após fiscalização feita por uma Procuradora do MPT e três auditores fiscais do trabalho, foi constatado o vínculo empregatício, e, também, do trabalho escravo contemporâneo.

Longa relação

Conforme o processo, a doméstica já morava com a avó e a tia-avó da ré desde os 10 anos da idade, ainda na década de 1970. Com o casamento da ré com o auditor, ela passou a residir com a família em Juiz de Fora, JanuáriaSão João Del Rei e Ubá, conforme mudanças do casal.

Durante anos, a doméstica foi responsável pelos trabalhos domésticos como limpar, passar e cozinhar para todos da família, cuidando também das duas filhas do casal e, posteriormente, dos netos dos empregadores e até mesmo da ré, já idosa, sem nunca ter recebido salário ou qualquer verba trabalhista.

Em defesa, os réus Carlos Alberto da Silva e Jane Franca e Gomes Silva contestaram sob o argumento principal de que “a relação existente entre eles era familiar e não trabalhista.”.

Conforme a ação, a mulher tinha uma puxada rotina de trabalho:

  • não existia folgas determinadas;
  • não havia intervalos determinados;
  • estava à disposição da família em tempo integral, inclusive após o jantar e também aos fins de semana;
  • não tinha dia de descanso e quando a família viajava de férias ia com o grupo, mas sempre auxiliando nos cuidados com as filhas do casal.

O processo ainda aponta que ela exerceu “condição de babá das filhas do casal, e assim foi até as mesmas atingirem maturidade financeira e profissional”.

Em depoimento, a trabalhadora disse ser comumente chamada de “Vó Preta” pelos netos do casal.

Nos 10 anos finais da relação, ela teria passado a receber entre R$ 450 e R$ 500 por mês.