Espaço Livre
Marcelo Barreto: Arruda, o homem que sempre achava Pelé
Ex-coordenador de reportagem do GLOBO era a ponte que ligava a redação ao Rei
25/10/2020 – 16:31 / Atualizado em 25/10/2020 – 16:38
“Marcelo? Aaaa…rruda!” A voz do outro lado do telefone fixo, naqueles tempos sem celular, soava mansa, como a de alguém que está prestes a sussurrar um segredo. Mas se Antonio Roberto Arruda tinha te achado em casa, o que se seguia à sua saudação peculiar, com aquela pausa dramática ao pronunciar o próprio nome, era uma missão — uma pauta, no jargão dos jornalistas. E se ele emendasse com “Bela matéria, hoje. Bela matéria!”, em referência a qualquer coisa que você tivesse publicado naquele dia, era a certeza de que a tarefa seria espinhosa.
Arruda era coordenador de reportagem do GLOBO quando comecei minha carreira no jornal. Continuou na função até se transferir para o Extra, onde se aposentou. Nascido em Bicas como eu, me acolheu com carinho; mas, apesar de ter sido amigo de infância da minha mãe, não me tratava com privilégio. Sabia que cada um precisava percorrer seu próprio caminho — o dele começara como entregador de filmes, uma função que não existe mais: recolhia os rolos dos fotógrafos no Maracanã e corria com eles para a redação, onde eram revelados a tempo de ilustrar a edição do dia seguinte.
Levou para as funções que exerceu como jornalista a dedicação, o compromisso e a atenção ao detalhe que aprendeu na função. Renato Maurício Prado, a quem tive a honra de suceder neste espaço, o chamava de fiel escudeiro. Nelson Rodrigues o segurava pelo braço, como fazia com Armando Nogueira, para perguntar o que nós achamos do jogo. E agradecia na coluna, com um de seus epítetos dramáticos: “Arruda, esse homem fatal de Bicas”.
Ele também tinha seus tratamentos exclusivos para quem localizava pelo telefone da redação, em busca de uma declaração para uma reportagem. Carlos Alberto Parreira era “Charles Albert Parreira”, pronunciado com pompa e circunstância; Arnaldo Cesar Coelho, “meu ladrãozinho preferido”, com um sorriso carinhoso no canto da boca. Arruda sempre os achava, sempre conseguia a frase de que precisava. Mas o que mais nos impressionava era que fazia o mesmo com Pelé.
Naquele tempo, editorias de esporte precisavam de um setorista do Rei, que sempre foi muito atencioso com a imprensa em eventos públicos mas na intimidade só atendia uns poucos escolhidos. O Jornal do Brasil tinha Oldemário Touguinhó. Nós tínhamos o Arruda, que um dia me estendeu o telefone, dizendo “One moment, please!” para a pessoa do outro lado da linha e explicando, às pressas, que tinha localizado Pelé num hotel na China e precisava de alguém que explicasse ao recepcionista, em inglês, que o hóspede ilustre estava esperando sua ligação. Sei lá como, deu certo.
Em meio às homenagens aos 80 anos do Rei do Futebol, essas histórias do Arruda, a quem não vejo há bastante tempo, me alegraram a memória. Ele pode não ter sido o Pelé do jornalismo, mas escreveu a própria história de menino negro nascido numa família humilde que saiu de sua pequena cidade natal para conquistar espaço num universo competitivo. Antonio Roberto Arruda, que talvez não ganhe uma estátua como o jogador do qual foi um fiel marcador fora de campo mas merece virar nome de rua em Bicas, era nossa ponte com Edson Arantes do Nascimento.
Fonte: oglobo.globo.com