A venda sobre os olhos do mundo
Desde que passamos a existir como seres humanos e tomamos consciência de nossa situação como tal, temos a devida impressão de que somos peças num imenso tabuleiro onde autoridades lutam para ver quem consegue o xeque-mate primeiro. Esforços à parte para mostrar que podem ser mais do que um mero número de CPF para o governo, as pessoas se iludem ou fingem não saber que são “massas de manobra” de um sistema de poder muito maior do que nossa mera reflexão superficial é capaz de entender. Verdades e mentiras se sobrepõem num constante balanço de crenças e entendimentos diversos, onde tudo ganha um sentido novo a cada ângulo observado.
Os povos lutam por paz. Porém, até mesmo nesta pequena frase escrita anteriormente, podemos constatar a ambiguidade vivida por todos nós há milhares de anos. O preço pago pela revolução francesa ao defender a liberdade, a igualdade e a fraternidade – princípios inclusive impregnados em nossa própria Constituição – foi um verdadeiro banho de sangue. Ou seja, caminhos diversos do lema pregado.
O homem, de uma forma geral, vive limitando seu território e luta com unhas e dentes para defendê-lo a qualquer preço. É o que entre outras palavras podemos chamar de soberania nacional. O poder bélico é superior ao bom entendimento entre as nações. Exércitos são formados muito antes mesmo do nascimento de Cristo, e mais de dois mil anos depois de sua passagem pela Terra, ainda temos jovens sendo obrigados a um alistamento militar num país que se diz democrático. Contradição esta com o princípio da valorização do trabalho e da livre iniciativa previsto na Lei maior de nosso Estado, onde o livre-arbítrio profissional deveria ser devidamente respeitado, não existindo uma obrigatoriedade à vida de uma pessoa pelo sexo que a mesma nasceu.
De fato, Nando Reis deveria estar correto quando disse em sua música, Relicário, que: “o mundo está ao contrário e ninguém reparou”. A força das pessoas deveria vir do que de bom têm a ofertar, e não do quanto de mal podem fazer. Enquanto tivermos guerras de forças com estes valores em evidência, teremos um mundo instável e muito longe da evolução que muitos julgam possuir.
Mas você deve estar se perguntando: por que o nome do texto menciona uma venda sobre os olhos do mundo? Justamente por não reconhecermos ou não querermos reconhecer tais fatos. O uso se fez também como uma alusão à venda simbolicamente colocada sobre os olhos da estátua da justiça, como um sinal de imparcialidade. Já não sabemos se tal venda está apenas na referida estátua citada ou se a mesma ocupa seu lugar sobre os olhos de parte da população. Com tantos escândalos sendo divulgados dia após dia, o que vemos em meio às manifestações se mistura a um desejo de justiça e esclarecimento dos fatos de um lado, e do outro, uma parcela ainda generosa da população que prefere não admitir os fatos a reconhecer seu próprio engano.
Vivemos como se todos os dias fosse primeiro de abril e rezando para que antes do anoitecer alguém venha nos dizer que tudo não passou de uma simples brincadeira. É difícil entender por qual motivo as coisas são como são. Difícil também é aceitar o que nossos olhos não podem ver, enquanto nossa consciência insiste em contradizer o que sai de nossa boca. Digo isso numa alusão ao texto publicado anteriormente em que dissertei sobre ética, e como as pessoas confundem o errado como certo, desde que o mesmo lhe traga algum benefício. Onde chego com isso? Basta voltar ao parágrafo anterior e tudo se encaixará perfeitamente.
A venda sobre os olhos do mundo. Estaríamos caminhando às escuras este tempo todo? Com tanta informação a nossa disposição, estaríamos renegando toda essa fonte de conhecimento e consumindo apenas o que satisfaz nossa vontade? Refletir é essencial para não ser mais um alienado no mundo digital que insiste em dizer que tudo está veloz, sem perceber que a vida foi feita para ser desfrutada vagarosamente.
Aprendemos que devemos amar nossos inimigos e continuamos julgando quem pensa diferente de nós. Num retorno ao início do texto, ligamos a militarização com a religião. E mesmo em pleno século XXI vemos exércitos que matam em nome de Deus assim como os bárbaros de tempos longínquos. Seria este um novo holocausto? Chocante, não é mesmo?! Mas não é de todo absurdo considerar a hipótese. Abri um leque de vertentes para enfatizar que a história insistentemente se repete sobre novos moldes, pois o homem ainda não aprendeu a lição. Para se chegar à luz, primeiro é preciso se livrar da escuridão. E devemos começar pela que está em nossos próprios olhos e coração.
Com isso, seguimos forjando nossa própria existência à base de muito calor de egos e pancadas violentas de realidade. Talvez, no fim de todo este processo que nos encontramos há milhares de anos, nos “transformemos” numa brilhante e impecável espada. Não utilizada para a guerra, mas como símbolo de resiliência e evolução de um aço bruto, que sofreu todos os processos necessários e conseguiu, enfim, perder a sua obscuridade e se tornar algo realmente admirável.