Aquele que se achava

A primeira sessão de domingo era a mais concorrida e invariavelmente o Cine São José ficava lotado. Era um burburinho interessante, antes do início da sessão. O pipoqueiro Jair Cotta, em frente, explodindo milho sem parar. Lá dentro do cinema, perto da portaria, Maninho, com seu tabuleiro de amendoim (doce e salgado), atendia a outra freguesia.

O filme era: ”Duelo ao Sol”, com Gregory Peck e Jennifer Jones… Bang bang muito aguardado. Antes das badaladas anunciando o abrir das cortinas, era legal observar casais se ajeitando e namoradinho marcando a cadeira que o brotinho estava para depois do apagar das luzes ir sentar juntinho.

Nesse momento, vez por outra, aparecia o soldado raso Timóteo cheio de pose parecendo um general. Ele adorava aparecer em qualquer lugar… Ali, então, era seu clímax. Naquela época, era tempo de ditadura, e o policiamento se metia até dentro do cinema. Timóteo, devidamente fardado, descia o corredor central, batendo o cassetete na mão, olhando para todos os lados e, às vezes, até pedia silêncio.

 Nesse dia a turma da pesada formada por Orenôco, Sá Onça, Charles Cândido e outros do mesmo calibre, esperou aquele momento do apagar das luzes e, antes da tela se abrir, fizeram uma linda homenagem para o soldado raso. Tomates podres, ovos e até farinha de trigo… Apesar da escuridão, os arremessos tiveram um alto aproveitamento.

Foi um alvoroço… Sargento Adão mandou ascender as luzes, com a intenção de reconhecer os meliantes, mas, não conseguiu. Todo mundo quietinho nos seus lugares com cara de paisagem. Timóteo com a farda toda lambuzada e bufando de ódio. Foi a glória dos oprimidos. Quando a sessão finalmente iniciou, choveu gargalhadas. Acho que por conta desse episódio, os policiais não entraram mais no cinema, se limitando à portaria… Bicas contra a opressão.