A quilha e a onda

Não era hora marcada, coincidência ou não sempre que ele sentia saudade, se acomodava naquela cadeira posicionada estrategicamente entre as samambaias dependuradas na parede e o vaso de lírio branco que enfeitavam a varanda de sua casa ali na Barão de Catas Altas.

Aquele homem grisalho e com sinais da idade no rosto, mais uma vez puxou a mesinha para apoiar seu copo de bebida. Esse ritual já fazia parte do enredo que talvez tenha se tornado um dos poucos momentos importantes de seus sonhos.

Ela às vezes passava pela calçada só; outras, vinha abraçada com seu amor. Discreto entre as flores, assim que seus olhos a alcançava, o coração batia mais forte e ele remoía aquela paixão que um dia cortou o mar de sua solidão e, como o cheiro fugaz de um perfume barato, se foi.

A cadeira balançava seu corpo como se estivesse num barco ao mar. A volta aos dias vividos com ela, descia forte pela sua garganta, misturando a bebida com o gosto empoeirado da paixão.

Não importava mais capitular aquele caso, pois ele há anos fazia parte de uma história. O tempo foi cruel com ele, mas com ela não. Seu andar firme e olhos brilhantes, mostravam que a felicidade mudou de endereço, permanecendo viçosa.

A vida dela também cortou tormentas, mas parou numa praia plácida com areias brancas que descansavam nas rochas. Quando ela sumiu de sua vista, o uísque já havia fugido do copo, deixando apenas as pedras de gelo. A cadeira continuava balançando sozinha e ele com seu olhar fosco caminhou pelo corredor titubeando como uma onda.