A nossa benzedeira

Cheguei em casa, minha mãe me olhou e não teve dúvidas no diagnóstico: você está com olhos apagados. Isso é quebranto… Vai lá na esquina e peça para Dona Ciloca te benzer… Ciloca, na verdade, era Cecília de nascimento. Lembro-me dela como uma senhora de cabelos brancos e sempre de avental.

Ela parava seus afazeres para nos atender com o maior prazer, desde que não atrapalhasse muito sua rotina, pois tinha uma clientela enorme… Foi ao quintal, pegou um galho de arruda, preparou três brasas pequenas e deixou na boca do fogão. Me sentei. Ela pacienciosa, me ajeitou, passou a mão pelas minhas costas e se concentrou.

Trouxe um copo com água, firmou o meu ombro e me disse para repetir as palavras chaves da benzedura. Enquanto as três brasas não boiassem, teríamos de continuar… Colocou a primeira no copo, que foi pro fundo direto…

“Cavaco rendido tire o mal desse menino”. Em seguida, passou a arruda molhada com a água do copo em minha cabeça e disse “Xô mal olhado… Vai impregnar no inferno”… Colocou a segunda brasa, que boiou. A terceira também foi pro fundo. Continuou o ritual acrescentando outras palavras e aprofundando a benzedura até todas as brasas subirem, o que logo aconteceu.

Levantei-me e agradeci. Ela com, seu sorriso amável, acompanhou-me até à porta. Acho que todos os moradores da rua do brejo e da vizinhança foram benzidos por dona Ciloca, uma grande alma… Bicas na receita doméstica.