A força do perdão

O sofrimento de Jorge Haddad, o Cristo

Olhando para o banner indicativo da peça “Paixão e Morte de Cristo”, levada na Sexta Santa, na praça São José, lembrei-me de um teatro que fez sucesso na década de sessenta, em Bicas e região, na época do padre Manoel Pires Pereira.

Naquele tempo, o altar da Igreja Matriz era adaptado e se transformava num palco.

Jorge Haddad (Jesus Cristo), Vera Lúcia de Castro (Nossa Senhora), José Maria Agrelli (bom ladrão), Rubens Daniel (Judas Iscariotes), Túlio Horta (Pôncio Pilatos), Salim Jorge (Caifás), Carlos Daniel (Anás), Miguel Cunha (auxiliar da direção) e Queipo Lhamas (diretor) formavam, entre outros, os artistas do espetáculo da peça “A força do perdão”, sobre a crucificação de INRJ e tal.

Menino, na plateia, ficava atento e impressionado com tudo que acontecia na parada, principalmente com a sonoplastia da claridade dos relâmpagos e do barulho dos trovões (provocados por intermédio do agito de lâminas de zinco).

No entanto, esse pequeno introito é pra dizer que, numa das apresentações na Matriz, Jorge Haddad, já pregado na cruz, preparava-se para o momento derradeiro. Nervoso, pediu um cigarro, que prontamente foi colocado na sua boca, a fim de acalmá-lo, porque a cena era difícil e a mais esperada por todos.

Tragava, sem poder usar as mãos, mantendo o “Cubanos” – sem filtro – ente os lábios… Puxava e soltava a fumaça, acalmando-se, quando, de repente, a cortina se abre, sem aviso prévio, e Jorge Haddad cospe o cigarro, que cai aceso no peito do seu pé direito e ali se aloja… “Jesus Cristo” começou a se contorcer de dor na cruz… Aí, aí, aí… Remoía freneticamente, sem parar, lágrimas nos olhos, numa interpretação jamais vista por um ator incorporando o sofrimento do Mestre na cruz. Os espectadores ficaram estáticos, perplexos com a atuação impecável de dor e sofrimento…

Quando acaba a cena, e o pano se fecha, Jorge Haddad estava meio apagado, de tanta dor, e com uma broca escura no peito do pé… Ao descer da cruz, zonzo, apoiado pela produção, recebe o reconhecimento do resto do elenco, que nem se atinou para o ferimento… Os colegas estavam estupefatos com o desempenho perfeito de Haddad…

Dizem que ele balbuciou algumas palavras, já se perdendo na confusão mental: “Quem foi o FDP que abriu a cortina sem me avisar?”

(Com o peito do pé, no osso, foi levado às pressas para o Hospital São José, sem antes acender um cigarro…)